Este texto é para você que, apesar de semanalmente postar a frase “Mais amor, por favor” no Instagram, quando está fora das redes sociais, age como se não amasse nada além do seu peitoral e das selfies que você diariamente posta em troca de confetes em forma de likes. Você poderia, ao menos, desejar um bom-dia aos seus vizinhos e dizer “obrigado” ao garçom que costuma encher o seu copo, não acha? Ou acha que agir com educação não é uma ótima forma de espalhar o amor? Ou pensa que o amor se faz apenas com compartilhamentos de belas intenções?
Você, apesar de ter trocado o seu sobrenome real por “Guarani Kaiowá” em seu perfil do Facebook, sem sombra de dúvida, é perfeitamente capaz de deixar um índio pegar fogo se o aumento da vida útil da bateria do seu iPhone dependesse disso. Acha que eu não sei, caro cacique de meia-tigela?
Você é do tipo que sai na mão se alguém falar mal dos coalas em extinção, mas que, no canto mais esquecido do porão da sua casa, esconde o papagaio de asas cortadas que você comprou sem autorização do Ibama. Quem conhece você apenas pela internet, até acredita que você pularia em um rio congelado para salvar um vira-lata em perigo, mas, basta dois minutos ao seu lado para saber que você prefere pagar dois mil dólares em alguma raça-canina-ostentação a adotar um dos tantos cachorros abandonados e loucos por apenas um segundo de cafuné.
Você escreveu um texto imenso para mostrar indignação quando o Luciano Huck aproveitou o #somostodosmacacos para vender camisetas, porém, no mês passado, enquanto segurava um copo americano sujo, somente para conseguir a atenção de uma mocinha que finge ser de esquerda, você exibiu uma barba idêntica à barba do Che e disse, por puro interesse nos seios dela, que é a favor das guerrilhas como solução para a resolução de problemas sociais.
Este texto é para você que se diz indignado com a corrupção, mas que, quando recebe cinquenta reais a mais de troco, não devolve e, o que é ainda pior: sai por aí achando que é espertão por ter levado vantagem sobre a caixa da padaria que errou na contagem das cédulas.
Este texto é para você que, quando está atrasado para algum compromisso, costuma furar filas e a ultrapassar pelo acostamento, mas que, em almoços de domingo, faz questão de falar mal dos políticos que passam você para trás em nome de interesses egoístas.
Este texto é para você vive a dizer que o Brasil é uma merda, mas que, quando vê alguma merda acontecendo, finge que está atrasado só para não ter que se mexer.
Este texto é para você que, quando viu o ladrão preso ao poste, aplaudiu tal ignorância, mas que ontem, após olhar para os lados, comprou um smartphone roubado. Como assim você não sabia que era roubado? Não se faça de ingênuo! Acha que pagou apenas duzentos paus nele por quê? Estou de olho.
Este texto é para você que vive a falar mal das letras do Chitãozinho e a dizer que a música brasileira não tem salvação, mas que, nem por curiosidade, deu uma olhada na tradução dos rocks que costuma cantar e defender, com unhas e dentes, como se só eles tivessem o direito de representar a música.
Este texto é para você que, faz tudo que eu citei acima, e que, com a consciência tão limpa quanto a dos políticos que você critica, continuará a manter uma longa distância entre o que é dito e o que é feito, e que, depois do ponto final que logo virá, continuará a achar que este texto não é para você, inocente.
Este texto também é pra mim, pois, em alguns casos, geralmente por preguiça e até por egoísmo, engano-me achando que escrever me exime da responsabilidade de fazer.