Acho estranho quem nunca desiste, nunca muda, nunca erra. Quem nunca se permite dar voltas na vida. Não volta atrás em uma decisão. Quem não rebobina um filme ou não dá um passo maior que a perna e assim aprende a voar. Estranho é quem acha que a vida é sempre em frente e em linha reta.

Começo, meio e fim. Quem foi que disse que a vida é assim?

Estranho é quem tem certeza de tudo, já nasceu sabendo, tem um planejamento arquitetônico da vida, cada centímetro no seu lugar. Estranho é quem não troca o certo pelo duvidoso e o duvidoso pelo certo. Quem não cai de paraquedas numa história, quem não tropeça e quem não aprende a levantar, quem não encontra desvios no caminho. Quem não se perde para se encontrar. Quem não escuta o coração.

Estranho é quem não inclui um subcapítulo no roteiro da vida e não muda totalmente a própria história. Estranho é quem não titubeia. É quem não rasura os traços do destino com desenhos do acaso. Estranho é quem não muda o filme quando sente que não pode mais engolir as mesma falas. E quem não repete muitas vezes a mesma história quando ainda se encanta com ela.

Estranho é quem não entende que a vida é balanço e não sabe que o vento que guia a nossa natureza humana é rebelde, vezes levando longe, vezes descabelando, vezes girando em torno de si mesmo.

Estranho é quem não percebeu que a vida não tem GPS e que as setas indicam para todos os lados porque na bússola do coração o norte varia de acordo com a umidade do am(ar). Estranho é quem não aceita a nossa inerente inconstância humana.

Estranho é quem segue a boiada sem nunca questionar. Quem acha tudo normal. Quem não experimenta, nem que seja em pensamento, viver na pele de outra pessoa. Estranho é quem não quer se testar, quem não tem abertura para ouvir, expressar, tentar entender, mudar de opinião, em busca de desenvolver nesta vida mesmo o melhor de si mesmo, o melhor que pode ser, o mais longe que pode chegar enquanto pessoa, enquanto ser humano.

Estranho é quem tem medo de mudanças, mas não tem medo de estagnar. Não tem medo de ver a vida passar pela janela. Quem não se usa para evoluir. Quem não deixa de lado o que não interessa, quem perde tempo com o que atrasa e amarga. Estranho é quem é mais autoritário do que amoroso consigo mesmo, com a vida e com os outros.

Estranho é quem se abandona nos dias e chama isso de viver.








Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 4 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresaria... hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem dois livros publicados, o romance ‘Castelos Tropicais’, e a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’. Seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’. Esta prestes a lançar seu terceiro livro, agora de crônicas – ‘Vibração e Descompasso’.