De vez em quando acontece. Do nada, de manhã bem cedo, à tardinha, no fundo da noite. A qualquer tempo. Começa sem aviso, como lembrança boa, e termina num desejo louco de sair por aí retribuindo sabe-se lá o quê.
Gratidão dá assim. Sem mais. Sentimento honesto, direto, bate e estremece. Irmã gêmea do amor, é coisa dos que se querem bem. Mania dos que se prezam e estimam uns aos outros. Arte de quem ainda acha que dividir é melhor do que possuir.
É certo que o mundo ainda não afundou de vez porque tem sempre alguém agradecendo por aí. Agora mesmo, em algum lugar aqui perto, a poucos metros desta sala de estar só, uma cigarra esgoela gratidão.
Como um saxofonista soprando a alma para fora, soando notas longas de enfeitar o dia, ela divide seu lá dentro com quem está aqui fora.
Canta tão certeira e seu grito vai tão longe e insistente que alguém há de perguntar: “mas o que esse bicho quer tanto com essa cantoria?”
Os especialistas desfilam seus porquês. Do alto de sua autoridade, explicam que é um canto de acasalamento. Um inseto vibrando as asas de luxúria, um macho tomado de desejo pela fêmea ao lado. Muito bem. Mas eu ainda acho que do alto de seu galho a cigarra canta mesmo é para agradecer a Deus. Assim, bicho honesto e agradecido, ganha em troca um amor que lhe renova o canto e a vida. Porque agradece, há de sempre encontrar o que procura.
Quando nos tornarmos agradecedores compulsivos, agradecendo involuntários pelo fato simples de ainda estarmos aqui, alguma coisa terá mudado em nós.
Há de ser uma coisa boa, um negócio coletivo que torna as pessoas amáveis. Um surto de amor espontâneo, uma coqueluche de afeto, uma epidemia de apreço. E tudo o que existir por perto há de ganhar outra cor, outra forma, outros ares que nos levarão mais longe.
De vez em quando acontece. Vem do nada um amor louco pelas coisas simples, pela vida, por alguém. Vem como lembrança boa. E a gente agradece. Porque gratidão é sentimento irmão do amor. Quem tem um, tem o outro. Quem tem os dois tem todo o resto. Agradeçamos, então.