Num dia quente de 1997, eu percebi que estava com problemas. Saí da aula de inglês, como de costume, e esperava meu pai sentada na recepção, conversando com a moça simpática do qual não me lembro o nome. Sempre fazíamos isso, depois das aulas, enquanto ele não chegava. Teve um momento, que está gravado na minha memória como se tivesse acontecido ontem, em que olhei para a porta e o vi rindo e conversando com os outros alunos.
Virei então a cabeça em direção à moça da recepção e tentei dizer algo. A palavra não saiu. Insisti, mas ela não saía da minha boca, como se eu estivesse enrolando a língua e meu cérebro tivesse travado. Entrei no mais absoluto pânico. Eu sabia, estava tendo um AVC. Eu lera o relato de uma moça, exatamente com o mesmo sintoma, um dia antes na revista Marie Claire. Eu não estava conseguindo falar mais nada nessa hora e minha cabeça girava como um carrossel.
Depois não me lembro muito bem. Um medo enorme de morrer, pessoas correndo na minha direção, eu entrando no carro com ajuda, um incrível medo de morrer, meu pai dirigindo na Radial Leste e tentando segurar a minha mão e trocar a marcha ao mesmo tempo.
Dei entrada no Hospital Oswaldo Cruz. E não lembro do meio. Me lembro depois na minha casa, no meio da noite, ainda sentindo medo e com um diagnóstico de “ela não tem nada” latejando na minha cabeça. Eu não acreditava nos médicos. Eu tinha tido todos os sintomas. Naquela mesma noite, fiz meus pais me levarem a outro hospital, sentindo as mesmas coisas. Um medo incrível de morrer. E uma caixa de tranquilizantes. Passei os próximos quase dois anos entrando e saindo de emergências de hospitais. Indo sozinha, indo com meus pais, minha mãe, minha irmã. Cada vez que entrava, o diagnóstico era o mesmo: nada. Minhas mãos tremiam, eu suava o tempo todo. Queria só que aquela angústia passasse.
Ela não passou, piorou e piorou até que um dia, um médico mais “antenado” falou: leve-a ao psiquiatra, isso parece um ataque de ansiedade. Dois anos e quarenta quilos a mais depois, alguém tinha tido a coragem de dizer aos meus pais que talvez eu estivesse tendo um problema psiquiátrico. Quanto não teria sido economizado, de planos de saúde a mães de santo, se alguém simplesmente me dissesse o que eu tinha. Entrei numa profunda depressão e quase não consegui concluir meu curso de publicidade por conta disso.
Eu era “a louca”. O que aconteceu, eu consigo avaliar hoje, foi falta de coragem. É claro que muitos dos médicos que me atenderam ao longo desse tempo perceberam algo errado. E não, não era um AVC, mas era algo que sim, existia, era grave e quase me levou literalmente à loucura. Depois de muito tempo, aceitei um tratamento psiquiátrico. Para mim era um fracasso. Era um atestado de biruta e uma estigmatização que passei a ter com os amigos, família e sociedade. Aquela que teve problemas, a louca, a fraca. Muitas vezes ouvi que eu não “controlava” aquilo por ser fraca. Fraca? Metade das pessoas que falou isso não teria aguentado um décimo do que eu aguentei.
Hoje eu vejo que fui uma guerreira. Lutei demais por mim mesma. Não desisti de mim quando todos pareciam fazer isso. As pessoas não sabem lidar com problemas emocionais ou mesmo psiquiátricos. É mais fácil lidar com um câncer, com algo mais palpável, do que com alguma coisa invisível como o emocional. Mas o sofrimento e a dor que isso causa são imensos e não, não é falta de autocontrole ou força de vontade, é algo muito maior do que isso. Relato isso para que tenhamos respeito com quem chega a esses níveis de doença emocionais, mas também para que aprendamos a cuidar do nosso emocional. Assim como toda e qualquer coisa na vida, nossas emoções são importantes demais para serem olhadas só nas emergências (e às vezes nem nisso).
Não olhe com dó para aquele cara que a esposa “tem depressão”. Não ache que alguém com síndrome do pânico só precisa respirar e não ria quando a fobia de alguém, mesmo que ela pareça engraçadinha, aparecer. As emoções são muito mais reais e palpáveis do que a maioria das coisas. Só precisamos deixar de ser tão preconceituosos e respeitarmos os outros e a nós mesmos. A cura é sempre possível. Mas o melhor é a prevenção. Cuidar do emocional como quem cuida da alimentação ou dos exercícios físicos. Tudo pode ficar bem com as técnicas certas e a ajuda correta.