Você não me leve a mal, não. Mas eu cansei de arrastar peso morto por aí. Não quero mais. O passado quando passa tem mais é de ficar lá. No passado. Quem insiste em arrancá-lo do dia de ontem, enfiá-lo à força na manhã seguinte e levá-lo adiante fica preso lá atrás. A vida não espera, não. A gente vai em frente e vive ou para e morre.
Eu prefiro os pesos vivos, sabe? Quero os problemas de cada dia, os deveres da vida, as responsabilidades sãs. Quero mais o que fazer. Mais o que amar. Quero os apegos necessários. Não ligo, não. Não ligo de me apegar ao que é vivo. O trabalho, a família, as causas justas, os bons amigos. O resto, todo o resto merece nada além da mais franca indiferença.
Tudo, tudo o que é vivo me interessa. Até a memória de quem se foi. Porque a lembrança de gente boa que morreu é muito, muito mais viva que qualquer ressentimento boboca. Quem insiste em remoer mesquinharia carrega pela vida um caminhão sem as rodas. Arrasta rente ao chão um balão murcho, carregado de peso inútil. Não decola, não vai adiante. Perde tempo sentado em um buraco que só afunda.
A vida é tão curta! Tempo não se atira pela janela, não se esquece nas tralhas do dia a dia, não se deixa no carro, não se perde no metrô, na multidão, no vão do sofá. Tempo se usa, se gasta, se vive. E quem arrasta peso morto adianta o tempo da própria morte.
Na confusão de tanta gente entrando e saindo de nossa vida, acontece vez ou outra da gente se enganar. Acontece. E se acontecer, que seja. Deixemos passar. Desapeguemos, larguemos mão, soltemos a corda. Peso morto nos paralisa e nos mata devagar. E olha a vida ali, passando!
“Sebo nas canelas”, dizia minha bisavó, que já foi mas continua leve, viva. A vida não espera, não. A gente vive. E vive mais quem não arrasta peso morto por aí. Se é para levar peso, que seja o peso da vida em si mesma. Peso de coisa viva, que nos ampara, nos alimenta e nos leva adiante. A vida que a gente leva, a vida que nos empurra para a frente. A vida que nos fortalece e nos torna leves, bem mais leves com o tempo.