Manter-se jovem, no corpo e na alma, virou a grande utopia vazia do nosso tempo
Ser jovem está na moda. A gente quase não pode ser outra coisa sem parecer ridículo. Para quem não sabe, porém, informo que nem sempre foi assim. Antes das revoltas de 1968, quando tudo mudou na nossa parte do mundo, a juventude tinha menos prestígio. Homens e mulheres maduros eram a referência do mundo, e havia, da parte de garotas e rapazes, urgência em tornar-se um deles: mães de família respeitáveis, homens grisalhos com autoridade. Nelson Rodrigues, um reacionário genial dessa época, deu aos jovens um conselho definitivo: “Envelheçam”.
Hoje, ninguém mais diria isso. Ser jovem, se possível para sempre, é o sonho das multidões. Os que ainda têm 20 anos andam pela rua com um olhar de impaciência sobre os pobres coitados que passaram dos 30, deixando para trás o apogeu da existência. Quem cruzou a linha dos 40, e vê o tempo abrir-se numa curva que leva a lugar nenhum, inveja a aparência e as atitudes de quem ainda se acha imortal. Milhões de seres humanos buscam comportamentos e produtos para adiar o avanço do tempo. Manter-se jovem, no corpo e na alma, é a grande utopia do nosso tempo.
Do alto dos meus 57 anos, observo essa obsessão com ironia. Como qualquer pessoa da minha idade, tenho inveja do vigor e da beleza física dos jovens, e às vezes gostaria de ter a leveza de espírito e facilidade de aprender que eles têm. Posto isso, não vejo motivo para ter 20 ou 30 anos de novo. Não foi tão bom quando eu estava lá, e, de qualquer forma, acabou. Voltar para a própria juventude (se isso fosse possível) seria como retornar a uma casa onde eu morei na infância, ou encontrar alguém que amei no passado. Por cinco minutos estaria bem, mas, logo depois, se instalariam a angústia e a nostalgia.
Nós, humanos, somos fadados a viver os episódios da nossa tragédia uma única vez, e depois prosseguir. Não há retorno ou permanência.
Outro dia, pensando nessas coisas, me ocorreu que uma das maneiras de estar bem com a passagem do tempo talvez seja modificar a própria vida, constantemente. A repetição soa como estagnação aos nossos sentidos, e estagnação se assemelha a morte. Se a gente consegue mudar os hábitos e os objetivos, se a gente arruma um jeito de começar de novo – no amor, no trabalho, nos planos –, é provável que o entusiasmo que a gente identifica com a juventude ressurja e permaneça. O que é ser jovem, afinal, senão descobrir novidades todos os dias, e achar tudo interessante, por ser novo?
Talvez a coisa que mais envelheça as pessoas, no mau sentido, é achar que as surpresas que estavam reservadas para elas se esgotaram. A mulher pega o metrô na terça-feira sabendo que não vai conhecer ninguém que mudará o seu destino. O cara espera a semana que vem com a convicção de que não trará nenhuma novidade. Eu já estive desiludido e vazio – anos atrás, por um longo período – e descobri que a vida acaba abrindo uma portinha. Se a gente estiver vivo, pode cruzá-la. Mas é preciso estar disposto, e muita gente não está.
Se isso vai parecendo uma receita, não é. Minhas angústias não me autorizam a ensinar felicidade. As alternativas que cada um encontra para lidar com a passagem do tempo são pessoais. Minhas respostas não servem para você. As suas não servem para mim. Há diferenças entre homens e mulheres. O que fazemos aqui, e em toda parte onde se conversa, é trocar experiências e ouvir histórias. Nas minhas, há sempre uma mulher que aparece do nada – depois de muita procura – e imprime um novo sentido aos meus dias. Mas ela só adquire essa importância porque eu permito. Porque, de alguma forma, tenho estado aberto às modificações que o afeto impõe ao meu jeito de viver. Se a minha vida estivesse pronta e congelada, se mudar fosse impossível ou indesejável, que sentido haveria em ter alguém que entrasse pela porta sorrindo? Nenhum.
As pessoas não se aproximam de nós para ser coadjuvantes. Nem nos acolhem para que tenhamos na vida delas um papel secundário. Se a gente não abre espaço ao inesperado, ele vai embora.
É claro que nada disso – amor, mudanças, novos planos – vai tornar qualquer um mais jovem. A juventude é algo que se esgota. Depois dela, vem o que havia antes dela: a vida em outro momento, com novas demandas e diferentes alegrias. Vai continuar havendo sexo e paixões. De vez em quando haverá dor. Mas, em vez de maltratar o outro e a si mesmo, como fazem os jovens apaixonados (por falta de experiência e de clareza), viveremos o amor com mais gosto e menos sofrimento. A maturidade, como intuía o Nelson Rodrigues, também tem vantagens.