É meu querido, há tanta coisa pra se pensar antes de amar, antes de viver. Há tanta coisa pra resolver, pra passar a limpo, pra entender.

Há tantos cálculos a serem feitos – medir a profundidade do mergulho, analisar se vai ser mais uma queda, uma dor, um erro. Há tantas análises psicológicas a serem feitas – será que vai ser mais uma mágoa? Será que estamos preparados? Será que ainda não é cedo demais?

É meu querido, você precisa de um tempo maior para ter certeza, você precisa de mais ingredientes para ter coragem, você precisa de mais compreensão para estar preparado para amar de novo. Mas pode ser que quando, finalmente, você tiver tudo aí na sua alma e coração, o passarinho do amor terá voado, solto, sozinho.

Enquanto você fica aí na beirada desse rio de experiências que é a vida, eu já mergulhei de cabeça e coração, fui até a outra borda, senti se dava pé, te acenei de dentro e passei de fase. Enquanto você fica aí arrumando seus aparatos para se assegurar de tudo, para salvaguardar a sua pele e dos outros (como se fosse um deus, como se isso prevenisse sofrimento), eu já me joguei, cai, aprendi com a dor dos joelhos ralados, aproveitei o vento de liberdade no meu corpo nu, deixei a energia vital transcorrer todo o meu ser.

Ah, se as coisas pudessem ser prevenidas! Ah, se o excesso de cuidado e zelo facilitasse mesmo o nosso caminhar! Ah, se a gente soubesse mesmo encontrar a hora certa de amar, se a vida se abrisse limpinha para que o que é novo pudesse entrar e o que é velho adormecesse em paz!

Mas a vida é roteiro de acasos e sustos, surpresas e imprevistos. Quem cria redomas para si mesmo não anda, não ama, não amadurece. Precisamos abrir janelas para que ventos novos nos sacudam, nos desestabilizem, nos tragam sombras e luzes. E que a gente possa ver, viver, amar de olhos abertos, aprendendo com o que é dor e aproveitando ao máximo o que é alegria. Porque, por essa mesma janelas que entram tufões, chegam doces calmarias.

Que obrigação é essa de querer só fazer escolhas certas? Que jeito de viver é esse que se apega mais aos medos do que à alegria de amar? Que desperdício de vida é esse, que prefere observar de fora, limpinho, sequinho, do que se jogar na lama, na chuva, na brincadeira?

Quando a gente anda e ama e perde os medos, a gente aprende que a nossa bagagem, o que nos fortalece e protege são as nossas experiências. A única forma de libertação é se permitindo participar da dança da vida. Quem vive com coragem, continua caindo e levantando, amando e reamando, chorando e sorrindo, e aprende que tudo é positivo, tudo é crescimento, tudo é transitório e belo. Tudo vem para agregar conteúdo e enriquecer a alma.

O medo já não existe mais, no lugar dele fica serenidade, amor e confiança.

Então, meu querido, segura minha mãe e salta comigo. Tudo o que temos é esse momento divino, tudo o que podemos fazer é aprender juntos e crescer com esse encontro. Tudo o que sentimos transborda nesse presente momento e inunda a vida toda e o nosso entorno.

E que seja intenso enquanto dure!








Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 4 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresaria... hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem dois livros publicados, o romance ‘Castelos Tropicais’, e a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’. Seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’. Esta prestes a lançar seu terceiro livro, agora de crônicas – ‘Vibração e Descompasso’.