Dia desses, viajando para a capital, dei de observar a pressa dos motoristas que costuram de uma faixa a outra, pressionam quem vai à frente acendendo e apagando o farol alto como quem descarrega uma metralhadora, aceleram acima do limite, transformam o caminho numa corrida tensa, inútil, perigosa.

Em minha frente, vejo um quase desastre: um sujeito num carro veloz ultrapassa em zigue-zague seis outros carros em seis segundos, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, e quase se choca com um caminhão.

Por que será que essa alma corre tanto? Para onde vai tão rápido? Será que leva a bordo uma moça grávida em trabalho de parto, um acidentado carecendo cuidado médico, um parente urinando nas calças? Terá ele alguém querido à sua espera e a saudade é tanta que lhe pressiona o pé contra o acelerador?

Quem sabe seja alguém importante, muito aguardado em uma reunião que vai determinar os rumos da humanidade, por isso não pode se atrasar de jeito nenhum, sob o risco de provocar a terceira guerra mundial. Pode ser ainda que ele tenha o pai na forca, prestes a ser estrangulado, e precisa chegar a tempo de tirar o velho de lá.

Mas é quase certo que seja nada além da sanha de se adiantar aos outros, de não ficar atrás, de fazer valer o investimento por um motor de tantos cavalos. Ou nada disso. Pode ser só um irresponsável que saiu de casa mais tarde e agora corre para não chegar atrasado ao trabalho. Então arrisca a própria vida e a dos outros na estrada para não chatear o chefe.

Sei não. Mas eu acho que essa pressa toda, essa corrida assassina que mata tanta gente no trânsito não passa de uma descarada falta de amor. Aqui pra nós, uma tragédia causada por um motorista que excedeu o limite de velocidade, fez uma ultrapassagem proibida, bebeu e dirigiu ou cometeu qualquer outra infração não é um acidente. É um crime. Seu autor sabia muito bem o que estava fazendo. E todo crime é, no fundo e na prática, uma bruta ausência de amor.

Eu tenho a impressão de que um pouquinho só de sentimento amoroso não deixa ninguém fazer burrice na estrada nem em lugar nenhum. Quem tem amor de verdade a alguém, ao seu trabalho, sua família, seus amigos ou à própria vida não vai arriscá-la por meia hora a menos no trânsito. Quem ama não quer chegar mais cedo a qualquer custo. Quem ama quer chegar. Exceto se for uma besta colossal, um estúpido completo, um asno incapaz de reconhecer o que de fato importa. Aí é outra história.

Todos temos pressa, prazos, horários, afazeres, compromissos. E de nada adianta se não fizermos tudo com o mínimo de amor. Gente amorosa faz melhor o que se propõe a fazer e se recusa a fazer o que não deve, o que atenta contra si mesma e contra os outros, o que renega aquilo em que ela acredita.

Quem sente amor aprende a fazer o que é certo, a viver em seu tempo, a cuidar de sua vida sem prejudicar a dos outros, a lidar com a própria pressa e aceitar que correr contra o tempo é inútil, porque o tempo sempre vence. Melhor andar a favor dele, com firmeza, com cuidado e com amor. Porque só o amor adianta. O resto é atraso. Todo o resto sem amor é o maior atraso.








http://www.revistaletra.com.br/ Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.