Eu sei que já tem gente que falou a respeito. Ser feliz é arriscado. Pode acabar acontecendo. Mas vou falar de um jeito um pouco diferente a respeito.
Sabe aquelas situações em que parece que não aguentamos mais? Em que tudo o que fazemos parece aprofundar uma situação tal que nos exige mais e mais, e que pode nos levar à loucura, por um lado, mas que, sentimos aqui dentro, pode também nos libertar de alguma outra coisa?
Pois então.
Muitas vezes, passamos a vida toda evitando certas situações, ou tentando convencer a nós mesmos de que somos assim ou assado, que não podemos uma ou outra coisa, que a determinadas situações não nos arriscamos. Podemos nos convencer de que não podemos ou queremos amar. Ou que não conseguimos assumir um compromisso a sério. Ou que não podemos nos enquadrar em alguma caixinha que sabemos ter vantagens para nós e para aqueles que amamos.
Mas aí a gente conhece alguém ou vivencia uma experiência tal que colocamos isso em dúvida.
Por exemplo, nos relacionamos com alguém que realmente se comporta com liberdade – e que portanto nos defronta com a nossa própria (liberdade). Ou nos relacionamos com alguém que realmente nos ama e não nos cobra – e mais, que nos dá um espaço tal que, mesmo sendo às vezes diminuto, às vezes, e outras vezes sendo ilimitado nos deixa acabrunhados. Ou nos ligamos a uma pessoa que a tal ponto exige de si critérios de justiça que nos mostra que nossos critérios são falhos e bastante vergonhosos. Nesses momentos, pensamos em desistir, claro. Ninguém quer se defrontar com algo que o supera a tal ponto que se sente um mísero ninguém, se colocado lado a lado com ele.
O maior medo que sentimos quando experimentamos algo assim, tão superior a nós, é sentirmos que ao mudarmos podemos experimentar algo que tememos – felicidade. Mas quem é que muda facilmente? Claro que nenhuma mudança para valer é simples, nem fácil. Ninguém deixa de ser fissurado por si mesmo facilmente. Ninguém passa a ouvir, realmente a ouvir, a outra pessoa facilmente – especialmente quando não consegue sequer ouvir a si mesma. Ninguém deixa de se sentir fragilizado/a diante de uma tentação facilmente. Os obstáculos à mudança são tão fortes, às vezes, que parecem constituir o maior problema a quem, lá no fundo, deseja ser feliz. Mas eles não são o maior problema.
Pois, tão logo a pessoa muda e percebe que algo ao seu redor também mudou, tende a reparar que realmente consegue sentir a felicidade que tanto lhe causava medo. E se emociona. E sente perder a compostura. E sente perder o norte pelo qual tanto ansiava. E tende a querer voltar à situação anterior. E por que isso? Porque não se acha merecedor/a dessa tal felicidade. Acha que no fundo tudo aquilo é bobagem, que aquele carinho que percebe naquela pessoa que passa por infernos sem conta por confiança a si mesma é no fundo fraqueza dessa mesma pessoa, que tudo é melodrama demais para seu gosto, que a vida não pode ser mesmo uma experiência maravilhosa. Daí retorna à situação anterior, aos preconceitos anteriores, às posturas a que tanto se acostumara.
É difícil ser feliz. Mas, mais que isso, é difícil saber que podemos ser felizes. Sem dramas, sem ilusões, sem apegos desnecessários, sem confianças ou desconfianças absurdas. O maior medo em ser feliz consiste em suma em achar que não se merece ser feliz. Talvez isso seja verdade. Mas não custa tentar. Ou melhor, custa muito.