Por Henrique Romero
Eu , o App e a tentativa de suicídio.
O App toca pela 8 vez naquele dia. Aparentemente e só mais uma segunda feira e la vou eu buscar a Camila.
Camila e uma daquelas passageiras que da gosto conversar. Jovem, cheia de amor pelo seu namorado e esbanjando vida. Mal sabia ela que caminhávamos em direção a morte , senao a morte da vida, a morte da empatia.
Saímos do nosso endereço inicial e em 3 minutos ja estávamos na terceira ponte ( principal ponte de ligação entre vila velha/ Vitória ), andamos por volta de 1km e encontramos uma interdição.
Depois de uns 3 minutos parado, peço licença a Camila para sair do carro e verificar o que houve.
Logo a minha frente vejo um jovem senhor , pendurado na ponte tentando suicídio. Apenas 10 carros a minha frente. Uns 200 metros me separam daquele homem, além de uma viatura da pm e umas 20 pessoas fora dos carros.
A sensação e de desespero, medo e algumas outras indescritíveis ao ver a cena. Ainda meio chocado com tudo , vejo chegando os bombeiros que de maneira eficiente isolam o local e iniciam a ” negociação” com o homem.
São exatamente 15:30h e a fila de carros e pessoas começam a aumentar e a cena que ja era lamentável se torna desumana, quase indescritível.
Após uns 40 minutos de espera , as pessoas ja começam a fazer amizades, as lives, postagens e piadas começam ja tomar conta do ambiente.
E estranho, um homem tenta tirar a vida e em volta uma social esta montada.
Não ha silêncio , empatia ou preces. Ouço buzina. Sim, alguém buzina em protesto pela demora e logo é contido.
Contudo, sociólogos e psicólogos , poderão discorrer sobre. A buzina foi a senha, a forca motriz, a faísca que faltavam para o caos começar.
O que vem a seguir é só um resumo, apenas partes de um show de horrores que vivi por mais de 5 horas, visto a ponte ter sido interditada.
Após a buzina , a primeira piada direcionada ao suicida foi feita :
“Pula, vai que boi tenha asas…” , o piadista desalmado encontrou platéia e começou a destilar ódio.
Ha um dito bíblico que um abismo, chama outro abismo. Aquele homem a beira do precipício ouvia gritos abismados de cadáveres humanos :
– ” se quiser eu te empurro”
– “pula daí , macaco”
– “ah, se eu tivesse uma arma, eu mandava um tiro daqui mesmo”
– “dor de corno”
– isso e falta de sexo”
-” chama o Bolsonaro” (fazendo sinal de arma em direção ao homem”
– se mata , mas não ferra minha vida ”
Tudo isso, não foi dito na surdina ou baixinho. Tudo foi gritado em alto e bom som , sendo eventualmente um ou outro advertido pela polícia.
Eu fui andando pela ponte, queria ouvir as fala, ver as reações, nao acreditava no que via.
Andando um senhor me fala: ” fortão, vai la e empurra ele logo, porra”
Passei direto e fui para uma das várias rodinhas feitas. Eram dezenas delas afinal nao tinha nada a ser feito a nao ser esperar , estávamos presos ali.
Ah, a Camila preferiu ficar dentro do carro a maior parte do tempo, ela disse nao ter estrutura para as falas alheias.
Numa rodinha o assunto era política, na outra futebol, na terceira o dono da BMW diz : ” gente, ta na cara que e um morador de rua , da um tiro no pe dele se ele cair para frente ta salvo, para trás ,morreu , menos um bandido no mundo “.
O jovem senhor , por ser negro e aparentemente mal arrumado ja tinha sido sentenciado.
Nao vou me estender aos comentários que ouvi, foram dezenas de aberrações, juro que algumas sequer tenho coragem de contar aqui.
Uma me acalmou. Passaram 2 cobradores e disseram : ” bora furar o cerco e empurrar ele ? ” , falaram se dirigindo a outro senhor que respondeu:
“Não, eu prefiro orar ” .
Minha esperança se renovou. Não pelo âmbito da fé propriamente, mas pela empatia da afirmação.
As horas foram passando as 20h , ja tínhamos um circo de horror montado.
Um homem preso por furar o cerco, Polícia tendo que lancar bomba de gas para conter a multidão e dezenas de pessoas em coro batendo na lataria do ônibus e gritando :
“Pula, pula, pula ” . Indescritível !
E la estavam incansavelmente os bombeiros , conversando com o homem. Era visível o amor e a dedicação no ato deles.
Até que o mais espantoso aconteceu.
Moradores próximos soltavam fogos na direção do homem pendurado.
Sim? Foi isso que voce acabou de ler.
Mas não acabou, da sacada dos prédios luxuosos da Praia da Costa, bairro nobre de Vila velha, vinha uma luz , estilo sinalizador de grande porte em direção ao homem. Numa tentativa de cega-lo ou transformar o circo de horror em show.
Chega ser difícil descrever.
Os xingamentos ao homem eram incessante, inclusive , por pessoas que usavam “fitinhas amarelas ” nas roupas , celebrando o dia mundial de prevenção ao suicídio.
Sim meus amigos, ontem dia do ocorrido foi o dia mundial de prevenção ao suicídio.
Mas aquilo não era uma encenação, uma chamada de tv ou um comercial sobre o assunto . Era a vida nua , crua e sem alma.
Me aproximo da bombeira Lauff, ela esta sozinha vestindo acessórios como se fosse escalar e pergunto o que ela.ira fazer.
– ” vou fazer de tudo, ali esta uma vida. Sei que vcs ja estão cansados de esperar na ponte, mas nao vou desistir. É uma vida…”
Crente que sou, me lembrei de Jesus falando das 99 ovelhas , e de não desistir de nenhuma sequer.
Eram 20:20h, decidi entrar no carro com as palavras da bombeira, nao queria me contaminar com mais nada negativo.
20:40, os carros que estao na ponte sao autorizados a descer.
20:55, deixo Camila em casa.
21:30h, chego em casa. 23:20h , o senhor e tirado com vida da ponte.
Termino este relato secamente, quase em silêncio , com o célebre minuto de silêncio, pois aquele senhor viveu, mas a humanidade morreu um pouco ali no alto daquela ponte, tudo isso no dia mundial de prevenção ao suicídio.
Henrique Romero
Pastor, estudante de ciências sociais e motorista de APP.