Quero chorar o seu choro
Quero sorrir seu sorriso
Valeu por você existir, amigo!
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Eram os anos oitenta e mais um dia de trabalho chegara ao fim. Ela costumava ir sempre ao pequeno mercado o qual todos os moradores do conjunto IAPI também frequentavam. Aqueles conjuntos residenciais eram grandes e lá morava tanta gente que se transformaram em uma espécie de bairro nos quais o convívio entre os moradores era intenso.
Lá ela morava com os três filhos e naquele dia ela fez como sempre fazia. Saiu do trabalho e foi ao mercado comprar o que faltava.

Ela estava à espera do quarto fruto de seu grande e único amor. Era uma menina e foi esta menina quem me presenteou com esta história.

Ali, naquela casa não havia um pai presente, morador daquele apartamento. Ela vivia com as crianças e ele aparecia de vez em quando. Não houvera casamento. Não desses que segue os moldes tradicionais. De certo houvera um, realizados na alcova amorosa, com juras de amor e promessas de uma vida juntos. Eles eram enlaçados pelo amor, desses amores que matam – mas falo disso depois.

Naquela tarde, ela, aos nove meses de gravidez passava as compras pelo caixa e enchia as sacolas com um peso maior do que uma gestante deve carregar quando está prestes a parir. Atrás dela uma mulher observava tudo enquanto aguardava sua vez para pagar apenas por uns pães.

Ao vê-la tentando carregar aquelas sacolas todas, ela disse:

-Eu carrego as sacolas para você. Para onde você vai?

E descobrindo que ambas iriam para o residencial IAPI elas caminharam juntas até o Bloco. Subiram juntas as escadas e ao entrarem na casa, aquela pronta mulher avistou os três filhos mais velhos daquela que esperava a quarta bebê. Vira também sobre a mesa uma conta de luz ainda a pagar, cuja data de vencimento já passara.

-Eu vou levar esta conta e vou pagá-la para você.

-De jeito nenhum. Eu trabalho e o pai das crianças vem de vez em quando e ele paga. Ele ainda não pôde vir, mas ele vem, e quando ele vem tudo se resolve.

-Mas a conta está vencida então vou leva-la e pagá-la para você. Quando você tiver o dinheiro você me leva. Minha mãe mora no Bloco 10.

E assim ela fez. Quando o dinheiro chegou ela foi até o Bloco 10, conheceu toda a família daquela que a ajudou. Souberam que as crianças já se conheciam, afinal, moravam no mesmo “bairro” e ali se iniciou uma grande amizade.
Os laços feitos naquele encontro (ou reencontro) seguiram unindo aquelas duas mulheres até que trinta anos depois, quando aquela menina bebê já tinha dado à sua mãe uma linda neta – dentre os outros netos lindos que a vida lhe trouxera – eis que o cansaço por tanto engolir o amor que ela quisera gritar ao mundo vence a batalha e começa a corroer-lhe o estômago.

A angústia se transformou naquela doença que minha avó tinha medo de dizer o nome, aquela doença que nos leva os cabelos, o apetite – e então rapidamente a levou.

Durante o tempo da espera até sua passagem ela se comportou lindamente e se negou a fraquejar diante dos filhos.

Ela, que sempre cuidou deles, não suportou ser cuidada em seus piores dias de intoxicação por aquela química vermelha e então, era a sua amiga a quem ela chamava. Aquela que um dia lhe ajudou com as sacolas estava ali pronta a ajudar, pedindo inclusive aos filhos que deixassem que sua mãe fosse, porque ela precisava ir. Ela que sempre sonhou se casar com seu grande amor, partiria sem perceber que na dimensão que realmente importa, eles foram casados a vida toda.

E quando ela se foi, a bebezinha que ela carregava no ventre naquele dia no mercado já havia cruzado meu caminho. Vivi com ela um pouco do seu luto e ela me contou essa história quando falávamos sobre as oportunidades que a vida nos dá todos os dias. Oportunidades de encontrar um amigo, de reencontrar uma alma amiga, de fazer um novo amigo. Aquela bebezinha de olhos expressivos e sorriso bonito teve uma mãe dessas que a gente se orgulha em ter e exatamente por isso tornou-se uma excelente mãe.

Nós somos as mães que tivemos.








Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...