Hoje venho aqui tratar de um assunto muito comum no convívio humano: a inveja.

Lembro de ter visto uma definição que fez muito sentido: ciúme é não querer perder o que se tem, a cobiça é querer o que não se tem, enquanto a inveja é não querer que o outro tenha.

Essa frase ficou muito marcada quando eu a ouvi. Talvez pela forma simples com que diferenciou termos que ficam numa zona cinzenta de definição, e também porque conseguiu classificar e definir alguns dos sentimentos humanos mais corriqueiros.

Em primeiro lugar, duvido de qualquer ser humano que afirme nunca ter sentido nenhum desses sentimentos. Isso, eu acho, é coisa para seres muito iluminados que já chegam nessa vida em outro patamar de evolução de alma. Mas para a maioria de nós, reles mortais em constante desenvolvimento, alguma situação já causou um ou outro desses sentimentos. E está tudo bem, é normal, faz parte da condição humana.

Mas o que é mais complicado é quando esses sentimentos tornam-se crônicos na vida de uma pessoa, definindo e conduzindo sua existência de uma forma tóxica e nociva, não apenas para si mesmo, como para os demais em seu convívio.

Deixar-se dominar por uma dessas emoções só é possível se não tivermos consciência de nós mesmos, dos nossos mecanismos de defesa, nossos traumas e “calcanhares de Aquiles”, de forma clara, honesta e corajosa.

Bem, o ciúme e a cobiça vão ficar para um outro texto, pois hoje o foco é a inveja.

Já refleti muito sobre esse assunto, na observação de situações concretas da vida, e alguns pontos me chamam a atenção.

O primeiro deles é que a inveja, esse sentimento desagradável (e não muito nobre) que faz com que alguém deseje que uma outra pessoa não tenha algo, geralmente está ligado a um profundo desajuste de alguém consigo mesmo (parece mesmo que, no fim, toda a causa de sofrimento e felicidade está dentro de si!).

Há um desconforto de uma pessoa consigo mesma, com suas escolhas, com sua vida, com o rumo do seu barco. Inconscientemente ou não, há uma grande insatisfação com uma situação atual, seja por motivos mais concretos, seja por uma causa irracional, por traumas, crenças equivocadas e outras deturpações internas que fazem nascer uma infelicidade onde não haveria razão de ser.

Mas resumo da ópera: aquele ser invejoso tem uma questão a lidar consigo mesmo, que está ignorando, não está enfrentando, não está colocando luz sobre (e sabe, até aqui, tudo bem! Em alguma altura da vida, todos nós enfrentamos questões que não lidamos bem ou demoramos para tomar consciência e solucionar).

Entretanto, como quase tudo na vida, a diferença é o que nós fazemos com o que nos acomete.

Quando um outro indivíduo age ou conduz a própria vida de uma maneira que, de certa forma, relembra o invejoso das questões que enfrenta consigo mesmo, é o momento em que a inveja se manifesta e eclode.

Explico em exemplo: uma pessoa infeliz por não concretizar um sonho X em sua vida, sem estar bem resolvido dentro de si (seja para conformar-se de forma madura com a impossibilidade de fazê-lo, seja enfrentando as batalhas todas para conseguir o que almeja), ao deparar-se com um indivíduo que alcançou aquele mesmo sonho X, pode sentir-se invejoso.

Isso porque aquele outro indivíduo é uma lembrança de algo que ele quer muito e não possui, mas, principalmente, porque é uma lembrança contundente de que, sim, talvez seja possível e plausível alcançar aquele sonho (e a responsabilidade por ainda não ter atingido é de si, e somente de si mesmo).

Mas, ah… o ser humano e sua mente trapaçeira! Adora ter meios de nos eximir de responsabilidade pelas coisas desafiadoras e incômodas que somos ou temos! A mente ainda pouco consciente, ao contrário da mente madura e desperta, acaba achando um milhão de subterfúgios para não assumir a bronca, colocando-a na conta do outro.

Assim, da inveja, decorrem sentimentos outros como o vitimismo (atribui sua infelicidade à sorte dos outros, que conseguem tudo”magicamente”, enquanto para si, nada dá certo), a competitividade tóxica (com atuações concretas visando sabotar os demais, ou conquistar outras coisas com o simples intuito de ganhar numa competição inexistente), o cultivo de mágoas infundadas (como se os demais fizessem suas escolhas e conquistassem méritos com intuito de afrontar, ofender ou rebaixar os outros), dentre muitos exemplos.

Eu acredito que os sentimentos não existem por acaso. Eles são todos sinalizadores, os ruins são alertas de que há algo indo mal no reino interior. No caso da inveja, vejo que ela nada mais é do que um aviso do seu inconsciente, tentando fazer enxergar, por meio da interação com o outro, um ponto de si mesmo ou da sua própria vida que não está legal, e você se recusa a enxergar ou enfrentar.

É uma forma ilustrativa, que a mente cria de externalizar, fora de você mesmo, uma questão que está fervendo e matando você internamente (e assim, quem sabe, te fazer entender!). A mente madura capta o recado, vai fundo para entender as causas daquele sentimento, tratando da fonte e não apenas dos sintomas.

Entretanto, infelizmente, criados que somos numa cultura que cada vez menos privilegia o olhar atento a si mesmo e ao complexo mundo interior, preferimos sair pela tangente, junto com os mecanismos que transferem a culpa das nossas infelicidades para o outro.

Ao invés de entender o recado subliminar da mente e agir de forma saudável, toma-se a lição de forma negativa, como se o êxito alheio fosse uma lembrança, um tabefe, lembrando você da sua própria incapacidade, infelicidade, de suas fraquezas, receios etc.

E na real? É mesmo um safanão da mente, mas não para te fazer desejar o mal de outrem, nem para fazer chafurdar num ódio a si mesmo, mas para sair da inconsciência paralisante, assumir as rédeas de sua vida e resolver suas próprias questões internas com coragem.

O sentimento dos invejosos de não quererem que o outro tenha (aquilo que ele mesmo tanto quer e não possui), tem uma razão simples de ser: é mais fácil gastar sua energia nessa emoção negativa, sentindo-se vítima ou sabotando terceiros, do que voltar o olhar para si mesmo, de forma 100% honesta, enfrentar cada um dos monstrengos internos que carregamos; é menos doloroso que assumirmos a responsabilidade pela nossa vida ser como ela é, é menos difícil que sermos sinceros ao reconhecer limitações, traumas, temores; exige menos do que trabalharmos para superar nossos obstáculos interiores.

O triste que os invejosos crônicos não enxergam é que, por mais espinhoso que o caminho da consciência seja, ela é o trajeto mais provável para te levar exatamente ao alcance dos sonhos, desejos e percursos que eles tanto almejam (e mais do que nunca: é uma felicidade e uma serenidade que nasce de dentro).








Formada em Direito, escritora por necessidade de alma, cantora e compositora por paixão visceral. Só sabe viver se for refletindo sobre tudo, sentindo o mundo à flor da pele. Quer transmitir tudo que apreende (e aprende) por todas as formas criativas possíveis.