Durante um chá, café ou Skype, enquanto a pessoa conta sobre seu relacionamento, uma parte de mim compreende o quanto a história é mesmo complicada, mas a outra parte pergunta: onde exatamente está o problema? Desconfio que ela só reclama de algo específico por- que ainda não desistiu da esperança de se relacionar sem complicações.
Ora, enquanto nossas mentes forem embaçadas e tensas, sem treinamento algum, como esperar que nossas relações sejam diferentes? Porque podemos trabalhar com qualquer situação, não seria errado dizer que ninguém tem problema. O problema começa quando a pessoa tranca, risca uma linha e diz: “Isso é um problema, isso não deveria acontecer, agora eu tenho de fazer algo diferente do que eu gostaria!” Imagine que eu faça uma trilha para chegar o quanto antes a um lugar onde serei benéfico.
Sou picado por alguns mosquitos, começo a me debater, me jogo no chão e fico ali, gritando e chorando. Sofrimento é isso. O problema nunca é a picada, nunca é o que acontece, mas nossa incapacidade de seguir — e toda a cadeia de reações a partir do momento em que trancamos. Ora, após a picada, o que preciso fazer não é diferente: é a mesma coisa que eu estava fazendo. Basta seguir respirando e avançando.
Mesmo se a picada for venenosa, seguir significa buscar um antídoto, uma injeção, mas é seguir, não é travar. Onde está o problema? Um buraco, um mosquito, uma tempestade, um assalto não são coisas externas à trilha, não nos tiram da trilha. A trilha é isso! Traição, morte, doença, dívida, brigas, adversidades, nada disso é externo à vida. Quando alguém nos trai, onde está o problema? Sofremos quando não conseguimos seguir e reconhecer o obstáculo como o próprio caminho para mais equilíbrio, sabedoria e compaixão. Para uma pessoa que ainda não descobriu seu potencial interno, sim, um problema é realmente um problema — não adianta fingir que não é. Mas para uma pessoa que tem métodos de transformação, quanto maior o problema, maior a oportunidade de abrir o coração, liberar as fixações mentais, oferecer, ajudar.
Quanto maior a bolha de seriedade, maior o sorriso necessário para atravessá-la. Mesmo a pior situação é aproveitada. Tudo se torna uma diversão. Conseguimos apreciar e nos deliciar com qualquer experiência, venha como vier, do jeitinho mesmo que vier. Não mais rejeitamos a vida. Nesse sentido, nossa prática é seguir.
Incessantemente, sem travar. Quanto mais fazemos isso, mais nossa energia se torna autônoma, sem depender tanto do que acontece ao redor. Destemidos, estáveis, e também relaxados, sensíveis e disponíveis, nos capacitando para sermos úteis quando tudo desabar. A palavra em sânscrito para essa qualidade a ser cultivada é virya, ora traduzida como esforço, diligência ou perseverança. A melhor tradução que já ouvi é “energia constante”. Constante porque ela surge não pela força pessoal de carregar um fardo, mas da própria vida, que segue e nos desafia a seguir junto.