Se obstruirmos os pequenos vícios de poder no cotidiano, criaremos uma cultura da escuta e do afeto, que será o antídoto contra a barbárie e o mal, inclusive na linguagem digital.

Existe a percepção comum que aumentaram o número de pacientes que dizem que estão “doentes”, sem ter a clareza de como buscar a “cura”.

Assim, crescem nos consultórios terapêuticos os casos de ansiedade e depressão gerados pela atual situação sociopolítica, que não têm respostas nos divãs e nos medicamentos.

Sentimos que se acirrou o conflito político, que divide famílias, destrói amizades e as questões íntimas são discutidas publicamente. E, ao mesmo tempo, a crise econômica se agrava, o desemprego aumenta e as condições de trabalho pioram.

Esse clima belicoso pauta o desrespeito aos direitos humanos, ataca as diferenças e as diversidades entre as pessoas e grupos, ameaçando com violência e morte quem pensa diferente.

O mundo político do século 20 foi denunciado como sombrio. E, atualmente, é governado por exibicionistas armados de insultos, que dividem seu povo, jogando uns contra os outros, para não se reconhecerem como humanos.

Hoje, isso ocorre em diversos países, provocados por governos com mentes doentias, que promovem a destruição do meio ambiente, o ódio contra imigrantes, muçulmanos, mulheres, negros, índios, gays, inimigos virtuais e bodes expiatórios.

O diálogo entre Albert Einstein e Sigmund Freud, nos lembra desse cenário, quando Einstein pergunta a Freud como seria possível deter o processo que leva à guerra, Freud responde que tudo o que favorece a cultura combate a guerra.

Para Freud, a cultura regula as relações humanas, articuladas com a ética, no que se refere às ações dos sujeitos, do ponto de vista de pulsões de vida e morte, implicando no domínio do impulso tanático. O que reforça em nós os laços de afeto, porque não estamos mais lutando só pela democracia, mas pela civilização.

Então, precisamos nos abrir para a escuta, que revela a alma humana das pessoas, e não importa a posição ideológica delas, mas o que envolve é a possibilidade de nos aproximar uns dos outros, de discordar sem negar a existência de ninguém.

O melhor caminho é a resistência ao poder narcísico e maligno, como forma de combater ansiedades e depressões, de ordem sociopolítica.

Esse é o legado da psicanálise: a capacidade de escutar os outros, para desmistificar as mentes sombrias, que nos apavoram.

A política é a arte da convivência, mas se não for assim: a sociedade se tornaria um lugar onde o poder não teria limites e as pessoas e países ficariam taciturnas e ensurdecidas.

Não haveria escuta e nem a mediação pelas palavras e seria tudo resolvido pela violência.

O método autoritário é o exercício do poder a favor da autoridade irracional, que aposta no controle sobre o cuidado e na violência sobre a educação.

Ou seja: é a tentativa de dominação de mentes e corações, que põe em “xeque” a nossa civilização.

Porém, se obstruirmos os pequenos vícios de poder no cotidiano, criaremos uma cultura da escuta e do afeto, que será o antídoto contra a barbárie e o mal, inclusive na linguagem digital.








Sociólogo e Psicanalista