Existem sonhos que não nos cabem. Não cabem no bolso, não cabem na mala, não cabem na alma. São sonhos feitos para outras pessoas, sob medida, que não vestem nosso espírito.
Vez ou outra você se pegará sentada no telhado da sua casa de memórias olhando todos aqueles sonhos que o tsunami de acasos te levou. Você se desconstruirá, perderá o fio da meada, o norte, a concentração, o senso de direção e as rédeas da sua vida, como alguém que vê os frutos de anos de trabalho serem levados pela enchente causada por uma tempestade de verão.
Tem dias que a caminhada perde o sentido e você perde a força porque sonhar, querer e acreditar sempre foram combustíveis necessários para pular da cama ao primeiro toque do despertador, mas agora você deseja que todos os dias sejam domingo para poder ficar na cama o dia todo, tomar seu café preto e amargo às 16:00 sem ter que dar explicações.
O pensamento conspira e as suas crenças lhe parecem um amontoado de bobagens metafísicas, suas convicções filosóficas tão arduamente adquiridas em leituras tão densas se equiparam aos monótonos textos da literatura autoajuda.
Você não é nada, nunca será nada, não pode querer ser nada e tem sequer um sonho no mundo para chamar de seu. Qualquer poeta ficaria deslumbrado com seu poder de autodestruição e desejaria para si esse sentimento maligno só para poder transformá-lo em poesia.
A vida anda tão melancólica e poética que tudo o que você gostaria era conseguir traduzir toda sua angústia em palavras e transformá-la num best-seller – ou numa mensagem de realejo, que seja. Você gostaria de explicar ao mundo essa dor latente que você nem sabe de onde vem e todos os sentimentos que pipocam em milésimos de segundos sem que você tenha tempo de compreendê-los, que só você entende mesmo sem entender direito. Dentro de você, você sabe, ainda que não consiga explicar.
E você já tentou de tudo, todos os médicos e remédios, psicanálise, literatura, pintura, exercício físico, acupuntura, reike, homeopatia, terapia holística, tarot on-line, simpatia… Chega!
Desculpa ser portadora de más notícias, mas a vida é esse emaranhado de coisas, pessoas e eventos sem sentido. É esse transitar constante entre os medos, frustrações e neuroses – suas e dos outros. Como diria o finado Abujamra, a vida é mesmo uma causa perdida, acostume-se. É nunca saber exatamente para onde vamos e passar horas pensando na complexidade do universo das relações humanas enquanto perde o trem, a hora e a sanidade.
Agora engole de vez esse choro contido, esquece a faca quente que teima em permanecer no seu pescoço. Sai desta posição fetal e pare de chamar pela sua mãe ou eu chamo Freud para uma conversa chata que levará meses.
Não é falta de paciência ou empatia, mas a consciência de que o mundo não espera você reconstruir este castelo de areia fina que você chama de vida. Eu sei que você não consegue tomar nenhuma decisão importante agora, sequer consegue combinar minimamente uma roupa menos indigente para vestir. Você só assiste filmes repetidos para não se esforçar em entender o enredo e a fila de livros aumentou porque você só dá conta de um ou outro artigo facilmente digerível.
Mas eu sei também que uma hora a faísca de vontade vai aparecer. Agarre-a com força. Encha uma taça com seu vinho preferido e dance sozinha ao som de Lou Reed. Tome seu café num lugar diferente olhando para as pessoas e sendo gentil com os garçons, sem pressa. Permita-se jantar brigadeiro de panela por três noites seguidas. Aprender a ser sozinha é uma virtude necessária, seja inteira de si mesma. Algumas pessoas merecem seu carinho e atenção, mas elas podem esperar até amanhã, Scarlett O´Hara.
Dia após dia você perceberá os astros se alinhando novamente e todo aquele caos começa a tomar uma forma que vale a pena ser observada. Olhe de longe, sua alegria ainda é rasa e seca fácil sob um sol escaldante. Crie bases mais sólidas antes de alardear por aí a sua requintada capacidade de convívio social. Lembre-se que as pessoas mentem, machucam e somem antes que você tenha tempo de saber o que aconteceu. Tenha cuidado.
Cuide de seu coração e de seus pensamentos como quem cria um filhote de passarinho, com delicadeza para não machucar e com liberdade para voar no momento certo porque, minha amiga, uma hora essas asas crescerão e o voo poderá ser alto o bastante para tornar as coisas bem pequenas aqui embaixo.