Por mais equilibrada que seja uma pessoa , alguns fatos podem bagunçar a sua rotina e desestruturar a sua forma de pensar e agir. Não podemos esperar por uma extrema eficiência e eficácia de um profissional que está passando por um luto. E quando uso a palavra luto, me refiro às diversas mortes que enfrentamos no decorrer da vida.

Não podemos esperar por palavras de bom senso quando alguém acabou de receber uma péssima notícia ou está mergulhado em uma depressão profunda. Não podemos esperar que alguém que se sente quebrado por dentro veja a vida com olhos normais e consiga se divertir naturalmente ou trabalhar produtivamente.

É cruel exigir de um deprimido ou de alguém que passa por um luto severo uma grande clareza de raciocínio, uma profunda capacidade de entender a situação que lhe ocorre de forma objetiva. É cruel exigir de um deprimido ou de alguém que passa por um luto severo que ele cumpra com as suas obrigações corretamente e que seja capaz ainda de fazer gentilezas e atender a protocolos sociais, como manter conversas frívolas e fazer passeios que não lhe interessam.

Alguém altamente deprimido ou vivenciando um luto muito grande mal tem forças para abrir a janela do quarto, lavar o rosto, tomar o café da manhã. Para alguém muito machucado, o melhor remédio é muita compreensão. É muito carinho. A pessoa muito machucada deve ser deixada livre para fazer o que sente vontade. É cruel encurralar quem está no limite das suas forças em jogos emocionais, diálogos intricados, atividades que exijam um alto nível de concentração e energia. Concentração e energia são duas coisas poderosas que o deprimido ou quem vive um luto não tem.

Um deprimido em alto grau não tem energia para suportar um ambiente caótico, em que as pessoas reivindicam a sua atenção. Um deprimido em alto grau não tem forças para suportar as demandas emocionais dos outros pois ele mal consegue sobreviver. O pouco de energia que ele tem é para tentar se salvar. É para tentar não sucumbir ao seu infortúnio. Fazendo uma analogia, é o mesmo que pedir para alguém que está se afogando , salvar outra pessoa.

Pessoas deprimidas não se animam vendo filmes engraçados ou passeando no shopping. Quer dizer, alguns até podem. Mas , o que quero dizer é que o que alegra as pessoas em seu estado normal , quase sempre não significa nada para o deprimido. Enfim, não existem caminhos simples e padronizados para sair de uma depressão. Talvez, o elemento mais recorrente para a maioria das pessoas seja receber muita compreensão.

O deprimido se volta para dentro de si e diz coisas absurdas e não enxerga nenhum caminho possível pois ele está adoecido e precisa de ajuda. Precisa de acolhimento, de pessoas que simplesmente o escutem sem julgá-lo, sem ironiza-lo ou sem minimizar o seu sofrimento. Um deprimido não precisa ser rotulado, ridicularizado, forçado a sair da sua crise à base da porrada.

Infelizmente , a nossa sociedade ainda não consegue lidar com os deprimidos e com aqueles que vivem um luto severo. Infelizmente , muitas pessoas ainda esperam de um deprimido a conduta de alguém que está em seu estado normal. A maioria das pessoas ainda não consegue entender a desestruturação emocional pela qual passa alguém em luto. Todo mundo entende que uma pessoa com a perna quebrada não pode se locomover direito. Mas quando é a alma que está fragmentada, a mente ferida, o papo é bem diferente. Os critérios de julgamento são muito mais rígidos, a paciência , muito menor, as exigências, infinitas.








Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.