De repente parece que o mundo se esqueceu de como respirar, de como relaxar, de como se concentrar, de como fazer uma coisa de cada vez. De repente parece que se não estivermos o tempo todo recebendo e reproduzindo informação estamos perdendo nosso tempo e prejudicando nós e o nosso entorno. O vício em informação, em deixar o cérebro ocupado, dando voltas e voltas e voltas sobre todos os assuntos, coisas e pessoas, tem feito com que a cada dia que passa ouçamos (e talvez até sintamos) mais e mais expressões como ” crise de ansiedade”, “depressão profunda”, “estresse” e “défict de atenção”.
Realmente, o vício em racionalizar, em querer manter tudo sobre nosso controle e domínio faz com que sintamos o peso do mundo nas nossas costas, amarguras infinitas no nosso coração e perturbações das mais diversas na nossa mente. Tudo isso culmina em péssimos hábitos alimentares, de sono, de lazer, e tudo mais. E a gente sofre. MUITO. Talvez muito mais do que deveríamos sofrer.
As técnicas medicinais do ocidente para dar conta desses problemas, como a psicologia e a psiquiatria, tem sim seus efeitos positivos, principalmente em casos onde esses problemas chegam a picos extremos. Mas talvez só desvendar a nossa própria mente – sem entrar em contato com o nosso corpo, e sem procurar maneiras efetivas não só de compreende-la, mas também ignorà-la de tempos em tempos – ou partir para a utilização medicamentosa, não efetive certas evoluções muito interessantes que poderíamos alcançar se simplesmente retirássemos uns minutinhos da nossa vida todos os dias para fazer uns alongamentos e em seguida sentar e meditar.
Quando falo sobre o quanto esses hábitos são maravilhosos na minha vida, eu ouço das pessoas desculpas das mais diversas sobre o porquê de elas não tentarem também: “não consigo meditar”, “yoga é difícil demais”, “não tenho tempo”, “não acredito nessas coisas”, “isso é muito good vibes”, “isso é pra quem tem tempo e dinheiro”, “tenho coisas mais importantes pra fazer”, “prefiro beber/fumar”, “isso não dá resultados”. Mas, o interessante é que a maior parte das pessoas que vêm com esses discursos todos, sequer uma vezinha na vida se deu ao luxo de ao menos tentar dar uma pesquisadinha sobre o assunto, ou levar a sério o que algum praticante explicou para tentar aplicar a si mesmo essas práticas.
Separar uns minutinhos da vida para se permitir experimentar não é o fim do mundo; aliás, pode bem ser o reinício dele. Não precisa de muito, meia hora por dia pra se alongar, prestar atenção na respiração e tentar se desapegar dos próprios pensamentos é o suficiente pra começar. Todo mundo tem meia horinha pra gastar com qualquer banalidade que não acrescenta em nada. Meia horinha pra rolar o feed do facebook, do twitter, meia horinha a mais pra tomar aquela cerveja, meia horinha fazendo uma série de coisas que podem, inclusive, acarretar mais problemas e agravar certas condições psicológicas; mas ninguém tem meia horinha pra meditar.
Sim, tudo bem, você pode (e deve) alcançar estados mais plenos e serenos da mente através de atividades mais ativas, ou se concentrando em algum afazer que dispenda mais energia. Mas o intuito aqui é aprender através da prática, da ação meditativa, uma atitude saudável para o seu cérebro, diminuir o vício em informação e aprender a se desacelerar em momentos cruciais. Só assim níveis mais harmônicos de integração no seu ser podem ser atingidos, te dando maior equilíbrio e harmonia na integridade da sua experiência no momento presente. E não, você não se tornara um Buda do dia para a noite.
Com a prática, porém, você aprende que o zen não é, na realidade, sobre criar qualquer expectativa, sobre qualquer coisa. É permitir-se estar no aqui agora em plenitude: mas alcançar essa compreensão (que é integra, e não apenas mental) exige paciência e é um processo. Não se sinta ansioso para alcançar os benefícios da meditação assim que começar praticá-la, pois o maior benefício é, afinal, aprender a não deixar seus desejos egoicos comandarem sua vida, e isso significa não querer conquistar absolutamente nada, mas sim aceitar e contemplar tudo que chega até você com gratidão e humildade.
Aprender a praticar o zen é aprender a ter paciência: inclusive para sentir os benefícios da prática. É aprender a ter consciência, a localizar e harmonizar as energias de atividade e passividade dentro de si mesmo e saber que existe tempo certo para cada uma delas. É aprender a sentir suas emoções sem medo, se entregar à tudo sem expectativas, porém, com consciência. É aprender não deixar passar batido situações de injustiça, mas sem deixar que o ódio te consuma ou seja ele o que te motiva a se posicionar. É aprender que dentro de nós somos iguais, e dentro de cada um existem todas as dimensões da natureza, todos os impulsos, e que cada um deles tem uma função. Estar em zen durante o cotidiano é estar em contato pleno com a sua consciência e confiar que ela saberá a hora correta de canalizar cada um desses impulsos, sem que haja culpa depois.
É se permitir não ter controle sobre tudo, porque quem te desgasta em busca de controle absoluto são as ilusões que a própria mente cria, e saber equilibrar a mente – silencia-la, acalma-la, sentir-se livre para explorar outras partes da sua percepção, direcionar a energia dos seus pensamentos para fins menos prejudiciais pra você em sua integridade de corpo, mente e espírito e para aqueles que te rodeiam – assumindo um estado de não controle total das coisas, é assumir um estado de paz. É reaprender respirar, relaxar, se concentrar, fazer uma coisa de cada vez. É diminuir os surtos de ansiedade, pânico, depressão, estresse e possíveis paranoias.
Com a prática constante você passa a sentir os resultados e quase automaticamente procura estar sempre em dia consigo mesmo. Aos poucos, você vai notando o quanto os desequilíbrios do corpo afetam a mente e agravam estados emocionais ruins; o quanto desequilíbrios da mente afetam o corpo e agravam estados emocionais ruins; o quanto estados emocionais ruins – por mais que nunca deixem de existir, e isso é preciso ficar claro – parecem não ter fim quando deixamos que eles nos dominem o suficiente para entrar em desequilíbrio com a nossa mente e o nosso corpo. Você passa a notar o que te faz bem ou não, quem te faz bem ou não, quais pessoas e situações te sugam energias que você não precisa permitir que te suguem, quais discussões realmente valem a pena e quais vão ficar na pura masturbação de ego.
Você passa a criar consciência corporal e perceber que a prática, por ela mesma, já te preenche tanto que certas coisas que antes você endeusava pelo seu efeito entorpecente, vão se tornando supérfluas e gradativamente prejudiciais para o seu equilíbrio.
Aí você tem que se desafiar, se reinventar, se desapegar da própria ideia de “eu” da sua mente, e perceber que também sua identidade não passa de uma projeção mental que você tenta o tempo todo reafirmar, manter, e ter controle sobre, através de certos “hábitos” que você clama serem inerentes da sua personalidade, mas que no fundo você sabe o quanto te machucam, prejudicam, e fazem sua vida se tornar um fardo, sua mente uma bagunça e mais cedo ou mais tarde acabam por te adoecer física e/ou mentalmente. E acho que ninguém nesse mundo consegue “gostar” de estar doente.
Não, essas práticas não são sinônimo de felicidade eterna, muito menos garantia de que o imponderável não acabe te pegando de surpresa pelas esquinas da vida e tirando seu chão. Não significa que mudar seus hábitos vai ser fácil, que seu ego não vai clamar desesperadamente para que você pare com isso tudo e deixe que ele te comande, como sempre comandou, e decida o que é “melhor” pra sua vida. Não significa que você não ficará triste nunca mais ou se livrará de todo tipo de doença, dor, sofrimento e morte. Ao contrário, você vai aprender a olhar para esses fatos sob nova perspectiva e a aceitação sobre eles virá com mais facilidade. A meditação vai te ensinar sobre si mesmo muito mais que qualquer livro, qualquer série, filme, teoria, ideologia, líder espiritual, amigo, familiar, experiência alucinógena ou qualquer outra coisa.
Se alongue. Sente. Respire. Sinta o ar enchendo os pulmões, sinta o ar saindo dos pulmões, sinta a harmonia desse movimento, a vibração do seu corpo. Preste atenção em você, e se os pensamentos vierem – e eles vão vir, principalmente no início – lembre-se de, quando notá-los, novamente desviar sua atenção para a respiração. Sinta-os como ondas, deixe que eles venham, mas deixe-os ir. Seja como o oceano, que não se abala em sua totalidade pelo movimento das ondas, pois é ele que as tem e não o inverso. Você que tem os seus pensamentos, e não os seus pensamentos que tem você. Não seja escravo deles. Perceba o quanto eles são irrelevantes e o quanto o aqui e o agora é tudo que existe. Aos poucos seu passado vai doer menos, as expectativas e medos sobre o futuro vão parecer um campo que não merece sua energia, e cada passo seu assumirá uma nova percepção, um novo estado de consciência e integração com o ritmo da natureza, do universo – e não das projeções da mente. Mesmo quando uma projeção te atormentar, sua consciência desenvolvida vai saber olhar pra ela e falar com você, ela vai dizer: isso realmente é importante aqui agora?
Aos poucos tente levar o sentimento que a meditação sentado vai te revelar para todos os campos da sua vida, todas as atividades que executar, todas as palavras que disser. Torne-se o oceano.
Isso não te deixará desligado do que acontece com o mundo à sua volta, nem diminuirá sua responsabilidade política e social. Ao contrário, a meditação potencializa sua consciência de ser parte de um universo todo interligado, e te mostra quais são os pontos que prejudicam esse todo, e, de maneira geral, você perceberá que o grande mal do nosso mundo, assim como o seu grande mal pessoal, são os pensamentos estagnantes e egóicos projetados pela mente humana. Você ganhará força para canalizar sua energia agressiva contra o que for realmente injusto sem deixar que sua paz interior desmorone por completo, ou que discussões e situações de estresse específica fiquem martelando a sua mente e sugando sua energia desnecessariamente por tempo mais longo que o necessário. Pequenas desavenças deixam de te abalar tão profundamente quanto fariam antes de você iniciar sua prática.
Divagações inaplicáveis de repente param de fazer sentido, e isso é sinal da sua mente se desviciando em querer ser o centro do seu ser. Você se permite chorar, dançar, se envolver, se emocionar, sentir, sorrir, conversar com muito mais entrega e plenitude. Não é do dia pra noite, mas quando você começar a perceber os resultados vai se surpreender consigo mesmo, vai se permitir se amar, vai se permitir amar os outros, vai se permitir ser gentil, vai se permitir dar e receber elogios de todo coração, vai se permitir ouvir as pessoas com toda sua atenção, vai se sentir acordado, disposto e concentrado. Vai aprender a respirar, aprender a dormir, aprender a comer, aprender a relaxar. Vai aprender que é a própria impermanência da sua existência que faz com que tudo que acontece na sua vida seja um momento único, sagrado e precioso. Vai sentir na prática que o que é real: você não é superior nem inferior à ninguém, você não é bom nem mal, você não é santo nem pecador, você é a unidade de todos os polos, e é a própria expressão divina.
Tente se permitir a prática, não custa nada mas tem valor incomensurável. Permita-se desconectar-se do controle do ego para sentir-se conectado à plenitude do universo. Pra conseguir, basta começar.