Com o tempo foi possível enxergar que as expectativas em cima de outras pessoas eram projeções únicas e exclusivamente minhas, e que ninguém era culpado em não atendê-las. Fato é que não sabemos nos bastar. Aliás, não queremos nos bastar. Entendemos que uma vez nos bastando, seremos reclusos em nossa individualidade, quando o que acontece é justamente o contrário.
“Eu não tenho mais nenhum sonho em cima de você”
Essa frase foi proferida pelo meu pai, quando discordávamos de alguns planos de futuro. Eu, a pseudo-herdeira, sabia que ele só estava brabo comigo e tentando com aquilo nos manter juntos através da amarra da decepção dele. Óbvio que ouvir isso de alguém, alguém que você ama muito, é tão sutil quanto um tiro no peito. Ainda que sentisse a dor, eu só sobrevivi porque estava fardada de um colete a prova de balas chamado individualidade. E aqui não confunda individualidade com egoísmo, egocentrismo e outros “ismos” negativos. Mas puramente a capacidade de se enxergar como um indivíduo. De exercer autonomia. Afinal, ninguém pertence a ninguém. Ou não deveria.
Calma, eu não nasci de um ovo. Eu tenho família que me ama muito, que me apoiou e irá me apoiar em todas as fases da vida. Ainda que discordando muitas vezes, e sofrendo tantas outras – os melhores pais criam os filhos pro mundo. Não dá pra voar alto sem sair debaixo da asa deles. O que também não quer dizer que o processo é tarefa fácil. Família tem que lidar intensamente com a tal da projeção, seja nos sonhos de seus pais em você se tornar uma bailarina ou um astronauta. Seja porque você nunca vai querer decepcionar as pessoas que te botaram no mundo.
O que acontece dentro de casa (e depois na vida), é que aprendemos a projetar grandes expectativas em cima pessoas, e quando frustrados apontamos que as pessoas é que eram pequenas. Não eram. Eram apenas pessoas. Com dramas e peculiaridades singulares e imprevisíveis. Então vem a maturidade, e temos que aprender aos trancos e barrancos a ter sonhos pessoais em cima de expectativas próprias.
E agora como é que faz?
Eu tive que deitar muito tempo em um divã pra entender que o que é do outro, é do outro. E queria jogar minha terapeuta pela janela cada vez que ela me dizia isso. Com o tempo foi possível enxergar que minhas expectativas em cima de outras pessoas eram projeções únicas e exclusivamente minhas, e que ninguém era culpado em não atendê-las. Fato é que não sabemos nos bastar. Aliás, não queremos nos bastar. Entendemos que uma vez nos bastando, seremos reclusos em nossa individualidade, quando o que acontece é justamente o contrário.
Quando a gente se basta, a gente não PRECISA de mais ninguém, e passa a ESCOLHER estar com alguém. Seja família, amigos ou um amor. A companhia desta gente toda é muito mais gostosa quando eles não carregam a responsabilidade de ser um pedaço nosso, do qual a ausência não nos permite sermos inteiros, completos. Desta forma, faz muito mais sentido entender e trabalhar para que nossos entes queridos tornem-se uma extensão de nós, ou seja, uma parte extra que nos faz ainda melhores. É batata frita do nosso Mc, não o hambúrguer.
A verdade mais perturbadora que já concluí em toda a minha vida foi a de que ninguém precisa de ninguém pra seguir vivendo, e que isso é chocante e libertador (evite aqui jogar suas pedras dizendo que estou alegando que uma pessoa largue os filhos pequenos e vá morar em Bora Bora, não é isso!). Estou falando de pessoas adultas presas as correntes da expectativa alheia. E eu entendo que pra muita gente seguir as próprias vontades seja feio, dolorido ou até desonroso. A pergunta é: não segui-las, faz bem pra quem? Você casaria porque é o que esperam de você, “até que a morte os separe”? Assumiria um legado inteiro de alguém, porque lhe foi apontado? Conseguiria aproveitar o caminho, quando lhe foi imposto o destino?
Não nos permitimos ir embora das outras pessoas ou deixá-las ir embora porque aceitamos as amarras impostas, ou criamos as nossas próprias. Não arriscamos ousar sozinhos, porque se falharmos, falharemos sozinhos e não haverá ninguém em quem colocar a culpa. Lembrando sempre que “culpa” é mais da metade da “desCULPA“. Jogamos no outro a responsabilidade de nossas próprias decisões, apenas para cultivar o que? O ressentimento? Agora imagina ser para o resto de sua vida responsável pela alegria, tristeza, amor, compreensão, felicidade de outro alguém? Onde arrumaríamos tempo e energia para a nossa própria felicidade e aceitação? O que é do outro é do outro.
Ninguém é de ninguém. Nós podemos colaborar com a felicidade alheia, jamais ser os donos dela. Nós podemos compartilhar da nossa felicidade, jamais entregá-la nas mãos de outra pessoa.
O que precisamos entender é que somente através do conhecimento e amor próprio, que conseguiremos genuinamente entregar o melhor de nós ao outro, sem torná-lo prisioneiro. “Cultive o jardim”, lembre-se daquela velha frase. “As borboletas virão sozinhas”. Entendemos que não dá é pra ser uma junção de pedaços dos outros, ao invés de ser um inteiro de si próprio.
Quando meu pai alegou que não tinha mais nenhum sonho em cima de mim, expliquei que ele nunca deveria ter tido. E que ele me amando muito – do jeito que sei que ele me ama – vai entender que não posso ser a menina dos sonhos dele, porque estou lutando bravamente pra ser a mulher dos meus.