“Quando Nietzsche Chorou”, obra de Irvin D. Yalom, traz grandes nomes da história como Josef Breuer, Sigmund Freud e o meu preferido: Friedrich Nietzsche. O autor mescla fatos reais e ficção com o intuito de explorar o nascimento da psicanálise por meio de encontros entre Breuer e Nietzsche que nunca aconteceram realmente.

O filósofo alemão sofre de uma crise existencial e depressão suicida que o atormentam profundamente, enquanto Breuer, que tem a missão de ajudá-lo, também está passando por algumas angústias pessoais. Dentre todos os temas discutidos ao longo do romance, o que mais me chamou a atenção foram as características de Nietzsche, que o tornam um homem completamente distante e solitário. Uma das falas do filósofo ilustra bem como ele se sente: “Às vezes, enxergo tão profundamente a vida que, de repente, olho ao redor e vejo que ninguém me acompanhou e que meu único companheiro é o tempo.”

Por ser tão fechado, Nietzsche não podia saber que estava sendo tratado por Breuer, pois a ideia de ter alguém invadindo sua intimidade o assusta completamente. A transformação ao longo das sessões é que Breuer lentamente se torna o paciente quando Nietzsche começa a ajudá-lo em relação aos seus tormentos e fantasias sexuais com uma mulher que não é a sua esposa. Posteriormente, o filósofo começa a confiar no psicanalista a ponto de se abrir como nunca havia feito antes.

O interessante é a forma como Nietzsche lida com a vida. Completamente fechado e sem conseguir estabelecer fortes laços devido a um trauma com uma mulher no passado, é um homem totalmente sozinho. E um questionamento que logo me veio foi: por que pessoas pensantes e reflexivas como ele costumam ser tão solitárias?

Normalmente, quem vive numa espécie de superfície tem mais facilidade de interagir com o mundo, pois seus dramas não tem a mesma magnitude daqueles vivenciados por um Nietzsche. E não entenda viver na superfície como uma crítica, pois é apenas uma das milhares de formas que o homem encontra para enfrentar sua jornada. Existem diferentes graus de se encarar a vida. Alguns mascaram as obscuridades justamente pelo medo que tem de enfrentar a dor. Outros, no entanto, transitam pela vida sem se darem conta da sua enorme teia de complexidades.

Entender e aceitar todas as dores da existência dá muito trabalho. Pensar resulta em incertezas, falta de respostas e, consequentemente, em angústias. Quem sofre com tudo isso é a psique, que de tão atormentada, pode posteriormente afetar o comportamento e a personalidade. Nietzsche diz enxergar a vida de forma tão profunda que se sente completamente sozinho. Com quem ele discutiria suas questões provenientes de uma visão tão reflexiva sobre a vida? Quem não tem esse mesmo nível de profundidade também não tem capacidade de viver com pessoas como Nietzsche.

Josef Breuer é contaminado por tantas reflexões de Nietzsche que em determinado ponto do romance não identifica mais nenhum sentido para sua vida. “Aquele rapaz agora envelhecido atingiu o ponto da vida em que não consegue mais ver seu sentido. Sua razão de viver – minha razão, minhas metas, as recompensas que me impeliram pela vida – se afigura absurda agora, quando medito em como busquei besteiras, em como desperdicei a única vida que possuo, um sentimento terrível de desespero me domina”, relata o psicanalista. Chegar nesse extremo é realmente desesperador, podendo resultar em crises e depressões profundas como as vivenciadas por Nietzsche.

Tendo em vista pessoas pensantes como Nietzsche, é possível fazer uma relação com a sociedade pós-moderna, permeada por indivíduos que têm extrema dificuldade de ficarem completamente sozinhos. Hoje, com o avanço tecnológico, as pessoas têm o costume de estarem 24h por dia conectadas e em momentos em que seria essencial a solidão para reflexão, rapidamente recorrem a um aparato tecnológico, uma mensagem a um amigo ou uma foto que consiga likes o suficiente com o objetivo de suprir essa carência e mal-estar. Estar realmente sozinho chega a ser uma raridade de poucos atualmente.

Essas pessoas que dificilmente possuem um momento de reflexão solitário, diferente dos Nietzsches, parecem ser mais leves, despreocupadas e até mais felizes – talvez por mascararem suas angústias ou simplesmente por nunca terem se deparado com elas. Refletir sempre vai resultar em dor e descontentamento. Quem pensa, se dá conta de que muita coisa na vida não tem sentido nenhum e pensar mais e mais pode só aumentar a agonia. É por esse motivo que os Nietzsches que andam por aí muitas vezes são vistos como pessoas amarguradas e estranhas. Na verdade, encarar as verdades da vida torna esses indivíduos mais críticos, pois continuam numa busca incessante por respostas que podem nunca alcançar. Dessa forma, se isolam da maioria por se sentirem completamente incompreendidos e desencaixados num mundo onde parece que ninguém os acompanha.

O equilíbrio é essencial. Ser um Nietzsche constantemente pode gerar muito sofrimento – como pode ser percebido no romance –, mas ser incapaz de ter um momento solo é um erro muito comum hoje em dia e que passa despercebido.

Você que está lendo isso, quando foi a última vez que se sentiu um Nietzsche? Um peixe fora d’água? Quando foi a última vez que passou um dia inteiro realmente sozinho? Sem recorrer a ninguém além de si mesmo quando bateu uma agonia, uma dificuldade ou simplesmente uma tristeza… O mundo pós-moderno está carente de verdadeiras pessoas pensantes, que saem da caixa sem medo de explorarem as profundezas mais escuras desse oceano que é a vida.

Sofrer dignifica e faz crescer, mas sofrer em excesso leva ao desespero e à dor incontrolável. Portanto, pensar é preciso, mas ponderar os pensamentos é obrigatório. Quem pensa muito, vive pouco. E por mais que eu admire os Nietzsches que ainda existem por aí – solitários e reflexivos -, tenho certeza de que quem trilha este caminho tem uma árdua tarefa que pode resultar na mesma conclusão de Nietzsche: “Penso que sou o homem mais solitário do mundo.”








Bruna Cosenza é paulista e publicitária. Acredita que as palavras têm poder próprio e são capazes de transformar, inspirar e libertar. É autora do romance "Lola & Benjamin" e criadora do blog Para Preencher, no qual escreve sobre comportamento e relacionamentos do mundo contemporâneo.