Por: Valeria Amado
Na madrugada nossos pensamentos voam como telegramas em busca de destinatários. Nessa linha mágica entre a noite e o dia onde habitam os leitores inveterados, os sonhadores melancólicos, as mentes criativas e esses amantes que, entre carícias e confidências, se despem das suas roupas e das suas emoções…
A madrugada, como podemos ver, não é apenas o território daqueles que tem insônia ou dos sonâmbulos. Na verdade, é um cenário especialmente evocador para o cérebro. É quando nos sentimos livres de estímulos exteriores para nos conectarmos com espaços muito mais íntimos, livres e criativos. De fato, até a bioquímica cerebral se vê encorajada por outros mecanismos muito diferentes dos que nos regem ao longo do dia.
“Os capítulos da madrugada derivam do seu rascunho ao nascer do dia.”
-Gonzalo Santoja-
Sabemos que o ser humano rege seus ciclos biológicos através do ritmo circadiano. Somos sincronizados por essa pequena e fascinante estrutura chamada glândula pineal que, ao ser estimulada pela luz ou inibida pela escuridão, propicia a produção de melatonina para orquestrar nossos ciclos de sono e de vigília. A sua participação na entrada e a permanência nestes estados é bastante conhecida; contudo, também abre a porta a outros processos igualmente interessantes, mas menos conhecidos que o de vigília-sono.
Muitas são as pessoas que chegam na cama cansadas, mas em vez de dormir, em vez de se renderem ao prazeroso refúgio do travesseiro, sentem que suas mentes se ativam e se sintonizam. Como radares esperando captar sinais das estrelas. É um momento onde a leitura cai bem, porque se torna mais vívida, porque entre esse mar de letras e a mente existe uma artéria invisível que bombeia com mais força. A mesma coisa acontece com a criatividade ou mesmo com o amor.
Porque nessas horas em que a cidade se apaga, as emoções se acendem com mais intensidade.
As pessoas são criaturas cativas da afiada agulha do ponteiro. Vivemos constantemente atentos aos relógios que regem nossos tempos de trabalho, alimentação e ócio. Mas esses horários aceitos em nossa sociedade nem sempre atendem às nossas necessidades. Os turnos de trabalho rotativos ou as longas jornadas profissionais que impossibilitam a conciliação familiar são inimigos assumidos que impedem parte da nossa felicidade.
“A noite é a metade da vida, e a melhor metade.”-Goethe-
Neurocientistas como Paul Kelly, pesquisador do Instituto do Sono e Neurociência Circadiana da Universidade de Oxford, explicam que tanto o mundo profissional quanto o educacional pouco consideram os ritmos circadianos. Segundo ele, todos estes efeitos estão fazendo com que nos transformemos em “uma sociedade cansada”. Entrar cedo no trabalho ou na escola e nos submetermos a extensas jornadas profissionais saindo de madrugada e chegando em casa de noite é uma coisa desanimadora em todos os sentidos.
Vivemos uma modernidade onde se valoriza mais “estar presente” do que a eficácia. Estar fisicamente no posto de trabalho ou na carteira de escola não significa que a pessoa possa dar naquele momento o melhor de si mesma. O cansaço acumulado e o estresse destes horários pouco justos cerceiam por completo o potencial dos nossos próprios cérebros. Pouco a pouco ficamos abstraídos em uma utopia emocional até cair em uma triste letargia de infelicidade.
Dizem que a madrugada é o lar dos sonhadores, esse momento em que as estrelas cochicham entre si e onde alguns têm o dom de poder ouvi-las. Incrustados como estamos nesses horários titânicos e pouco conciliadores que acabamos de descrever, mal temos tempo para esses momentos. Contudo, é comum que chegado o final de semana o cérebro nos demande um canto próprio, algumas horas a mais para se libertar.
O processo através do qual consegue fazer isto é simplesmente fascinante.
O córtex cerebral é a área onde se concentram uma série de zonas responsáveis por tarefas como a atenção, planejamento, a memória de trabalho ou as recompensas.
É uma área muito ativa durante o dia graças a uma contribuição regular de dopamina. Contudo, quando a escuridão acaricia a glândula pineal, essa contribuição diminui e convida ao recolhimento.
O córtex cerebral, por dizer assim, se desliga ou entra em estado de “stand by” porque já não há tantos estímulos externos para processar, para administrar ou enfrentar.
A noite, assim como a madrugada, são momentos de sutil satisfação para um cérebro que deseja focar em outras áreas. É então que se abrem os limiares desses cantos fascinantes como é o caso da imaginação, da emoção, da introspecção ou da reflexão.
Com certeza você já experimentou isto mais de uma vez. Ir para a cama com algum problema, falta de ideias ou preocupado e, de repente, acordar ao amanhecer com a mente clara como a superfície de um espelho.
As respostas começam a chegar. A inspiração floresce, as emoções se afinam, nossa própria capacidade de sentir, conectar ideias ou visualizar imagens enquanto estamos abstraídos na leitura se intensifica ainda mais.
Não é magia ou alguma capacidade sobrenatural. É o motor da neuroquímica que vê na noite o instante perfeito para focar toda a sua energia e recursos no próprio cérebro.
A mente se esvazia e os pensamentos fluem em outro ritmo, existe uma maior conexão e a pessoa sente mais prazer com certas atividades que, durante o dia, nem sempre são possíveis.
Contudo, fica evidente que por causa dos nossos horários nem sempre podemos desfrutar desses instantes que muitas vezes nos tiram o sono. Contudo, nunca é demais se deleitar com esse recolhimento sutil e favorecedor que as noites e as madrugadas nos oferecem, momentos onde apenas a Lua ou o tímido Sol – ao amanhecer – são testemunhas dos nossos humildes prazeres: sonhar, ler, amar…
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