Queremos ‘dar certo’, queremos orgulhar nossos pais, precisamos prestar contas à sociedade, e não tem nada de errado nisso. Mas chegamos à fase adulta tão perdidos, tão distantes de nós mesmos, tão sem identidade, que mesmo diante de conquistas materiais, olhamo-nos no espelho e não sabemos quem somos.
“Estude para ser alguém na vida, disseram. Estude para ter sucesso na vida, disseram. Estude para dar certo na vida, disseram. Mas era tudo mentira!”, desabafou a moça estudiosa na sua rede social favorita. Fiquei me perguntando por quanto tempo eu também admiti esse pensamento na minha vida de estudante; desde quando ainda nem sabia o que era vestibular, bem naquela época em que a escola começava a nos servir na colher de chá a ideia de que só um caminho era possível – o do sucesso. Um pouco mais adiante, as colheres de chá foram substituídas por colheres de sopa, que foram trocadas por xícaras, e copos, e garrafas, e baldes… até que nos víamos – todos – mergulhados em livros, cadernos, anotações, regras, padrões, provas, exames e cobranças, mas nem sabíamos direito para quê. Ah, sim: o sucesso!
E o que é sucesso para um jovem da classe média brasileira? Ou melhor: o que é possível se admitir como sucesso aqui na nossa bolha dos privilegiados por uma educação de base tão arcaica quanto as celas carcerárias deste novo século?
Sucesso é ter conforto, papai. Sucesso é ter dinheiro o suficiente para viajar ao exterior pelo menos uma vez por ano. Sucesso é poder pagar empregada doméstica, ter portaria 24 horas, manter um carro por membro da família, frequentar restaurantes agradáveis, ter uma câmera bacana para tirar fotos ainda mais bacanas e filtrá-las no Instagram. Sucesso é pagar uma escola boa para os filhos poderem trilhar um caminho bem parecido com o nosso, mas talvez com um pouquinho mais de privilégios, afinal de contas, é por isso que trabalhamos por tantos anos, não é mesmo? Para que meus filhos possam gozar mais do que eu pude.
Daí, nós, que não nascemos em berço de ouro, vemo-nos obrigados a suar em cima de livros para ‘correr atrás do privilégio perdido’. “Você não nasceu rico, tem que estudar!”. Mas… por quê? Para ser alguém na vida? Oi? Sério mesmo que eu não sou alguém ainda? Mesmo, mesmo? Jura, juradinho? Verdade que a luz que brilha dentro do meu coração desde o momento em que fui concebida não é o suficiente para fazer de mim alguém? Então, tenho de ser alguém na vida… estudar para ser alguém na vida… mas, na vida de quem?
Queremos dar certo, queremos orgulhar nossos pais, precisamos prestar contas à sociedade, e não tem nada de errado nisso. O problema é depositar em agentes externos – como o estudo – a solução para objetivos de vida que moram dentro dos nossos corações. Nós crescemos acreditando que o sucesso está lá fora, longe, bem no alto de uma montanha muito difícil de se escalar – e, se você não nasceu rico, tem de se esforçar muito para chegar lá. O problema é sermos adestrados a acreditarmos que ainda não somos alguém e que nunca seremos se não passarmos no vestibular e termos um “bom” emprego. O problema é chegarmos à fase adulta tão perdidos, tão distante de nós mesmos, tão sem identidade, que mesmo diante de conquistas materiais, olhamo-nos no espelho e não sabemos quem somos. Nossa autoestima está abalada, não sabemos o que nos faz brilhar os olhos, não queremos tomar decisões. Estamos dançando descompassadamente entre o acúmulo de troféus e a lembrança de que há milhões de pessoas passando fome por aí. Não sabemos equilibrar nossas forças; encontramos o ‘lá fora’, mas perdemos o ‘aqui dentro’. E, de repente, tudo dói muito: porque tudo ainda precisa ser um passo para chegar ao sucesso, para ser alguém, para dar certo na vida, enfim.
A notícia boa é que você já é alguém na vida, talvez você só tenha perdido o caminho de volta a si mesma(o). Pode ser que você esteja tentando encontrar aquela luz que brilhava na tenra infância, mas há tantos troncos e galhos e entulhos jogados pelo caminho que parece não haver nada do outro lado, do lado de dentro; mas há. Há alguém com o coração cheio de respostas, precisando ser esvaziado um pouco para caber mais amor. Há uma alma dourada pulsando por debaixo do barro seco por meio do qual você permitiu que te moldassem até agora. E se este texto está fazendo sentido, feche os olhos e sinta: a primeira rachadura deste barro acabou de se abrir dentro de você.
A notícia ruim é que a moça estudiosa do início da nossa história tem toda razão. Era tudo mentira: estudar não leva ninguém a lugar nenhum. Estudar não leva ao sucesso, que não leva ao dinheiro, que não leva ao conforto, que não leva a dar certo na vida, que não leva você a ser alguém. Você já é alguém, e é exatamente por isso que estudar não vai te levar a lugar nenhum: o que vai te levar – seja fora, seja dentro, seja em frente – são suas pequenas decisões do dia-a-dia.
Isso não significa que não vale a pena estudar, nem ganhar dinheiro, nem querer conforto e todos esses etecéteras com os quais você já está acostumada(o). Mas é preciso, sim, sabedoria para perceber que o estudo é mais do que a ponte de acesso ao pote de ouro no fim do arco-íris. Estudar é dedicar seu tempo, bem como seus corpos físico e espiritual para aprender algo que vai transformar a sua vida quando você colocar esse algo em prática. Estudar é ler com prazer, é observar-se sem julgamento, é analisar com parcimônia, é modificar com amor. Estudar é despertar neste alguém que já existe aí dentro a força da revolução interna que vai beneficiar todos os seres à sua volta assim que seu coração sentir que está pronto para revolucionar.
Por isso, o que vai levar você a algum lugar não é o estudo. O que vai te levar a todos os lugares – de todos os mundos – é você
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