Tive um pequeno paciente, criança de seus nove anos, filho adotivo, muito querido por seus pais, e que me disse um dia: “Filhos dão úlcera nas mães… não quero tê-los quando crescer!”.
No Aurélio, o significado da palavra adotar significa optar ou decidir-se por; escolher… Uma das situações na vida que mais me emociona pela complexidade de sentimentos que o próprio ato implica é a adoção e por consequência a doação: a alegria de quem recebe, a dor de quem dá…
Adotar é um ato de amor: abrir os braços para neles receber um filho que não foi gerado por você. O filho biológico, esse eu amo sem riscos… (será?)Terá herdado de mim meus olhos, meu sorriso, o mau humor do pai, meus talentos, enfim, Narciso só ama quem é seu espelho…
Mas a verdadeira transformação é outra: transformar essa criança adotiva em um filho meu, que não tem os meus olhos, mas por amor e identificação terá o “meu jeito de olhar a vida”, que não tendo o meu sangue sente o seu sangue ferver para me defender…
Pode ser que um dia, ao crescer, ele queira conhecer o outro lado da sua história. E carregue em seu peito uma dor profunda por se sentir abandonado, mesmo que as circunstâncias presentes demonstrem o oposto. Mas o sentimento é o que conta, a realidade psíquica.
Sendo assim, quero agora olhar a situação pelo outro prisma. Pelo lado de quem dá esse filho para adoção:a doação. Que dores sentiu? Quanto teve que negar para si mesma a dor da perda? As razões para doar um filho são inúmeras: a mãe adolescente, a mãe solteira, a mãe pobre, quando ter mais um pode significar um ônus que não dá para arcar,a mãe que perde a guarda da criança…
Uma recebe esse filho na alegria, a outra o deixa ir na dor e na dor se recolhe para que, num ato se não ainda de amor, pelo menos de cuidado por essa criança, para que possa ter melhor chance na vida. Mas que não foi um filho abortado. Foi o escolhido para ter um destino melhor. Foi o premiado! Será que ele entenderá isso assim um dia?
Eu escrevo pensando no meu paciente, triste por se saber adotivo. Quem vem ao mundo com esse destino, vivencia sentimentos intensos, contraditórios, de um significado profundo…
Se tiver ao seu lado uma mãe acolhedora para esses seus sentimentos de angústia e souber compreendê-lo, sem se sentir rejeitada por isso – ela também – o ajudará a ser mesmo uma pessoa muito especial. Tendemos a pensar a mãe que doa seu filho como anti-amorosa,fria,ou irresponsável, que abandona seu filho indefeso à própria sorte, toda uma atitude na contramão do instinto materno, do nosso orgulho e narcisismo. É uma escolha muito difícil, mas muito mais corajosa do que aquela outra que a faz optar pelo aborto.
E sem falar das culpas que geram um aborto, nem sempre conscientes, em função de uma defesa bem estruturada, mas que a faz ir abortando, no decorrer da vida,todas as suas oportunidades é assunto para outras reflexões.
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