A família é o instrumento socializador que media a relação entre o indivíduo e o resto do mundo. É o primeiro modelo que temos para começar a nos relacionar: um ponto de partida social que, em muitos casos, tem uma influência que vai muito além da infância. Neste sentido, Álbum de Família é um filme que materializa uma realidade bem distante daquilo que é idealizado, mas que se repete mais do que gostaríamos de admitir.
O longa mostra um entorno familiar que parece exemplar por fora, mas só os que vivem no seu interior sabem o que realmente acontece em cada casa. Personagens que se debatem entre o amor fraternal pelas pessoas que lhe deram a vida e o desolador panorama de um entorno de frustração, inveja e competitividade, em vez de amor e proteção.
Álbum de Família: resumo
Depois do suicídio do pai da família, a esposa chama as três filhas para que elas voltem ao lar familiar e presenciem o seu funeral. Para cada uma delas, esta visita é um reencontro com os conflitos e ressentimentos do passado.
O pai estava há anos refugiado no álcool e a mãe era viciada em remédios. O casal mantinha uma relação muito destrutiva que, basicamente, limitava-se a satisfazer as demandas e queixas dela. A mulher acreditava que não era tratada como merecia. Ela castigava impunemente o marido por uma infidelidade que aconteceu muitos anos atrás, da qual nasceu um filho. Ambos ocultam esse fato como o grande segredo da família.
Os dois vieram de um entorno marginal de pobreza e maus-tratos dos seus progenitores. Pessoas grosseiras que estão acostumadas aos rigores da vida. Ambos se orgulham de ter saído daquele entorno ausente de oportunidades e de terem vencido graças ao sacrifício e ao trabalho duro.
Projetaram sobre as filhas os seus próprios desejos de sucesso, mas nenhuma delas parece ter cumprido com as suas expectativas. A mãe sente um profundo desprezo pelas três, e não perde a oportunidade de questionar o estilo de vida delas.
Uma mãe passivo-agressiva
A personagem da mãe em Álbum de Família tem alguns elementos narcisistas, mas a personalidade passivo-agressiva a define especialmente bem. Ela se concentra, unicamente, nos erros cometidos pelas suas filhas. Ela as reprova por terem tido as oportunidades que ela não teve. É manipuladora, excessivamente teatral e dramática quando as suas artimanhas não funcionam como ela gostaria.
Ela sente que está competindo com todo mundo. Qualquer informação que obtém das filhas é utilizada como uma arma contra elas. Usa constantemente a mensagem dupla associada (comentário negativo-positivo-negativo).
Ela representa o papel do doente que domina o mundo. Sente-se agredida porque as filhas construíram as suas próprias vidas. Faz o que for para que elas voltem, e as lembra das “suas obrigações com ela”. Não para de falar sobre o pouco que ela teve e o muito que elas tiveram.
A irmã mais velha
A irmã mais velha sempre teve o papel de mediadora da ordem nas crises familiares, tanto com as irmãs mais novas quanto com os próprios pais. Ela desenvolveu uma personalidade mais controladora, e isso lhe causou vários problemas com seu marido, que acabou se divorciando dela. A família ainda desconhece este último fato.
Apesar do amor que o seu marido e a sua filha sentem por ela, acaba sendo insuportável que ela não se permita relaxar, nem por um momento, junto a eles. Existe uma luta interna nela para não repetir os padrões das antigas gerações.
A irmã do meio
Nas famílias tradicionais, sempre existe uma filha que desempenha o papel de cuidadora dos pais. Esse é o caso da filha do meio no filme. Ela não se casou, nem fez nada grandioso com sua vida, além de cuidar dos pais, e isso a fez acumular muito rancor com respeito a eles e suas irmãs. Ela mantém um relacionamento muito estranho com um primo, mas ninguém sabe disso.
Sua mãe não vê nenhum problema no fato de que essa filha cumpra com perfeição o papel que lhe foi dado, mas ela não a valoriza. Ela esconde a sua culpa atacando-a constantemente.
A mãe reprova a filha por ela não ter formado a sua própria família, e culpa sua aparência pouco feminina. Inclusive, ela se atreve a competir com ela nesse sentido, só para caçoar dela. Esta filha possui graves problemas para se relacionar com os outros, e parece ter desenvolvido um transtorno de personalidade esquiva.
A irmã mais nova
A filha caçula está totalmente perdida. Ela é uma mulher bastante infantil e frágil, que só deseja agradar a todos para ser aceita. Passou toda a sua vida adulta pulando de uma relação amorosa a outra, cada uma pior que a anterior, correndo riscos com homens que não a tratam bem.
No entanto, para ela, todos os seus relacionamentos vão ser “para sempre”. É uma pessoa muito dependente emocionalmente. Faz grandes esforços para demonstrar a sua mãe como ela é feliz e como o seu relacionamento atual é perfeito e idílico, seja ele qual for.
Para as outras pessoas, os seus companheiros amorosos são apenas “o namorado desse ano”. É difícil dizer considerando apenas os dados que o filme mostra, mas poderia se tratar de um transtorno de personalidade limítrofe.
Reconhecendo padrões
As três filhas cresceram sob um estilo de educação autoritária. Seus pais nunca demonstraram nenhum tipo de afeto por elas, e mantiveram um rígido controle sobre suas vidas. Existe um apego desorganizado em todas elas, apesar de cada uma ter lidado com isso de uma maneira diferente.
Ainda assim, quando surgem as crises familiares, a primeira estratégia que elas utilizam é a negação. Isso faz com que elas sustentem um falso equilíbrio familiar, e cada uma desenvolva um mecanismo de defesa diferente para sobreviver a esse núcleo familiar.
Definitivamente, é um entorno familiar “normal” para os olhos alheios, mas tremendamente disfuncional por dentro, onde acontecem muitas triangulações.
Álbum de Família é apenas um filme, mas soube mostrar muitos dos papéis que são dados automaticamente aos membros de uma família. Ele materializa a quantidade de problemas que estes papéis podem causar no futuro, na forma de desejos frustrados e negados. O filme acontece durante o mês de agosto, com um calor asfixiante (no hemisfério norte). Uma asfixia que pode ser sentida em seus personagens.
O Hospital Provincial de Castellón (Espanha) apresentou, há alguns meses, uma análise brilhante do filme Álbum de Família em um de seus seminários de formação pessoal, e mostra em profundidade cada um desses assuntos a partir de uma perspectiva terapêutica.
São papéis com os quais muitas pessoas podem se sentir identificadas, e são informações muito interessantes, tanto para o próprio bem-estar psicológico de quem sofre desses transtornos, quanto para as pessoas que estão ao seu redor na idade adulta.
** Texto originalmente publicado por A Mente é Maravilhosa
Foto: Divulgação
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