Já dizia a música do Teatro Mágico: “os opostos se distraem, os dispostos se atraem”. Hoje percebo o quanto o amor não é só sobre ter a sorte de encontrar pessoas bacanas, compatíveis com você, não é só sobre timing, sobre não estar emocionalmente quebrado quando alguém legal aparecer. Amor é para os corajosos, sim, e principalmente para os dispostos a lidar com todas as dores e delícias de se relacionar com o outro.
Tive que lidar anos a fio com alguns traumas e feridas complicadíssimas causadas por um namoro que me massacrou. Tenho uma vida dedicada a aprender a exata medida entre confiar demais nas pessoas e ser esperta e me resguardar. Ficarei mais uma vida e meia tentando curar a ferida de me achar insuficiente, e tentando encontrar o equilíbrio entre me doar de coração e alma, e saber quando eu devo dosar e proteger toda essa preciosidade pra não me dilacerar a toda hora.
Junto de toda essa baguncinha emocional, conflitos de carreira, dilemas de propósito, dificuldades financeiras e psicológicas, tudo sempre permeando a rotina. Mas eu nunca deixei de desejar, nem de estar disposta a enfrentar os mundos e fundos se eu acreditava numa relação, se via valor nela. Apesar dos medos e inseguranças que meus traumas muitas vezes engatilham na minha cabeça; apesar de a vida estar desmoronando em outras áreas, sempre tive um coração disposto a amar. E hoje vejo o quanto isso é primordial.
Tenho percebido como as pessoas não estão dispostas ao amor. Excetuadas as situações-limite, quantas desculpas as pessoas dão para não se envolver, para não se entregar a uma relação? Eu mesma ouvi dezenas. E por muitas dessas vezes acreditei ser um grande azar do destino, aquela história de ser a “pessoa certa no momento errado”. Sinceramente? Agora vejo isso como uma grande falácia. Quem está disposto à grande aventura do amar, quem age com coragem pra encarar os percalços que, sim, sempre permeiam as relações humanas, quem sabe, sem duvidar, o quanto o amor e a conexão profunda e verdadeira têm um valor imensurável, não coloca o passado, o momento, o timing, o caos do restante da vida pra impedir uma relação de florescer.
E mais: quem está disposto a amar também não pesa demais a balança só porque o outro está passando por momentos dificultosos, ou por qualquer pequena falha ou desajuste. Quem está disposto a amar sabe que o amor é a aceitação de um pacote completo de um ser humano cheio de defeitos, qualidades, forças, fraquezas, momentos leves e momentos desafiadores. Quem está disposto a amar está ciente da necessidade contínua de ajustes, apertar um parafuso ali, fazer uma emenda acolá, dialogar, conciliar, saber ceder e compreender. E quem está disposto a amar não teme tudo isso, porque enxerga com imensa clareza a importância daquela relação na sua vida, e não se deixa abater pelo fato das coisas não serem perfeitas.
Mas estamos numa sociedade de medrosos e imaturos emocionais. As pessoas sequer questionam e visualizam claramente si mesmas, quiçá enxergar os demais com nitidez, ou aceitar os outros como são em sua integralidade. Ninguém quer lidar com responsabilidade emocional com as outras pessoas, ninguém quer o lado ruim ou qualquer defeito ou dificuldade nas interações, ninguém quer lidar com concessões e perdas numa sociedade em que tudo parece tão acessível, substituível, descartável, sempre com uma versão melhor, mais irretocável e menos dispendiosa (em todos os sentidos).
Ninguém também está disposto a correr os riscos emocionais de se envolver, pois sim, sempre é um risco quando há algo que não dependa somente de você. Ninguém quer se mostrar vulnerável, deixar alguém ter tanto acesso a tantas fragilidades nuas e cruas. Ninguém quer ter que dar um voto de confiança em outra pessoa.
E ninguém está querendo correr o risco de sentir a dor, o sofrimento, a ter que lidar com a bagunça que fica se nada sai como o esperado.
Por isso tem sido tão difícil. Não é incompatibilidade de gênios, valores, objetivos, gostos, falta de química, momento de vida, ou qualquer outra bobagem o que tem prejudicado tanto a formação de conexões genuínas e profundas de amor.
É a falta de disposição a encarar tudo o que o amor traz ou pode acarretar: de maravilhoso e inesquecível, mas de desafiador e de doloroso também.
Amar é pra quem vence medos e desculpas e ri das probabilidades adversas. Amar é, antes de tudo, pra quem está inteiramente disposto a viver plenamente, sabendo ser a vida cheia de riscos, constante nas suas incertezas, mas totalmente recompensadora pra quem tem a audácia de vivê-la de verdade.
Marian Koshiba