Por Nara Rúbia Ribeiro
Sempre existe em cada um de nós uma palavra não dita, um sentimento inconfesso e reprimido, um desejo implícito que quer ter vida. O nosso eu interno precisa de ar. Precisa respirar um pouco aqui fora, no mundo onde talvez ele possa ser compreendido e amado. Mas no cotidiano das urgências e dos prazos, onde o Ter impera e o Ser vai perdendo mais e mais status, já não há muito espaço para a expressão do sentir.
E, se poucos são aqueles que param para ponderar acerca das próprias emoções e desejos, quem teria, nos dias de hoje, tempo e interesse de ouvir o desabafo do outro?
Na tentativa de sublimar os seus conflitos internos, os poetas versejam o que punge, os pintores delineiam as emoções em traços e tons, os escultores se esmeram em dar expressão concreta aos abstratos da alma, os músicos dão som aos ais e às alegrias mais profundas. Mas, e aqueles que não se inclinam às artes? A estas, que correspondem à esmagadora maioria de nós, resta a velha terapêutica da amizade: o desabafo.
Desabafar é fazer fluir a palavra para dar vazão a uma emoção afogada em nossa represa interior. A dor pode deslizar nas ondas das frases, a alegria pode transbordar dos verbos e dos substantivos mais delicados… O desejo, a frustração, tudo muda quando dito, quando confessado. A emoção recebe rajadas de luz. Mas poucos, infelizmente, são aqueles que, hoje, ao apregoarem ou até jurarem uma sincera amizade, emprestam seus ouvidos ao outro.
Penso que talvez a maioria de nós não perceba que quem desabafa não quer conselho. Não quer norte. Não quer reprimenda ou aplauso. Só quer saber que outro humano se importa. Que outro humano é capaz ouvir e talvez dimensionar a sua dor. Quer sentir que no mundo há outros que também sentem e que compreendem os seus vazios, ou as suas falsas plenitudes.
Talvez o que temamos seja ver no outro a nossa dor espelhada a que há muito não notamos, e que está abafada, aturdida, asfixiada pela pressa cotidiana, mas que, em silêncio, sangra. Talvez o que tenhamos, de fato, seja o medo de constatar a imensa humanidade que ainda resta em nós, embora nos cerquemos de máquinas e números e metas concretas.
Não ouvir, não querer ler no outro as linhas mais significativas do seu íntimo é prova incontestável de que a amizade inexiste. A amizade consiste na delicadeza do “estar disponível” para sentir o outro. Ela é o exercício da empatia.
Aquele que é incapaz de ouvir, por mais bem-sucedido que seja no mundo dos fatos, é ainda indigente nos terrenos da alma. É estrangeiro no solo da afeição. E nem percebe que, de tanto omitir-se de ouvir, a sua alma emudece e se esquece, um tanto mais e a cada dia, do existir.
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