Não acredito quando dizem que cachorro não tem alma. Eu perguntei tal angústia para o padre Alfredo na catequese, quando contava com seis anos e pouco e ele me respondeu:
– Só os homens!
– Quando os cachorros morrem, não vão para o céu?
– Não, os cachorros não são homens.
Não poderia ser verdade, conhecia vários homens sem alma. Alma se perde e se ganha.
Não confiei na sua teoria, segui a comunhão inteira sem tocar no assunto, para não ser expulso e constranger a minha mãe.
Mas meu cachorro tinha alma. Aquele olhar melancólico, receptivo, carente era de uma alma esperando um abraço, um carinho forte no cangote. Ele brincava comigo com alma de balanço, com alma de gangorra, com alma de escorregador. Alma de criança esvaziada de pecado.
Cachorro não larga nunca a sua inocência, mesmo quando é maltratado, mesmo quando é abandonado, mesmo quando é escorraçado. É uma esperança pura, em pelo e osso, balançando o rabo.
Cachorro perdoa como nenhum milagreiro é capaz. Cachorro não se vinga como nenhum beato é capaz.
Quando pequeno, adotei meu cachorro da rua, batizado de Sete. Cusco. Vira-lata. Apresentava marcas de cigarro em seu couro. Sofreu na vida infernos de vários donos desalmados. Apesar de suas dores, ele me amava com uma lealdade jamais encontrada, com uma doçura de recém-nascido. Suas patas me acordavam de manhã, cuidando para não arranhar o meu rosto com as unhas.
Só uma grande alma para ter tamanho cuidado. Eu era dele mais do que ele de mim.
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