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Carta ao meu pai que se foi…

Sabe, meu pai, “já faz tempo, que eu queria te falar, das coisas que trago no peito”. Amanhã é teu dia, teu aniversário.

Se estivesses aqui conosco, na presença física, completarias mais um ano de vida. Teu cabelo, ou o pouco que teria sobrado, estaria bem mais branco.

Tua pele, em especial, tuas mãos e rosto, mais marcada pelo tempo, com algumas ruguinhas que não cheguei a conhecer.

Estarias mais esquecido que antes. Mas lembrarias o mais importante: o quanto eu sou amada por ti. Tua visão estaria um pouco mais comprometida, os braços teriam que se esticar um pouco mais para que pudesses ler ou fazer as tuas palavras cruzadas. Tua respiração, aquela vinda do peito e do coração que já não sincronizava e nem batia tão bem, estaria mais cansada, mais ofegante. Nada que comprometesse a tua oratória perfeita, que se arrastava por horas e horas. Para falar, continuarias sem pagar imposto.

Sabe, meu pai. Talvez estivesses mais fraco, mais rabugento, mais renegado. Não me importaria com isso. Brigaríamos como sempre fazíamos.

Mas, esqueceríamos minutos depois, agindo como se nada tivesse acontecido. Teríamos passado por tantas coisas juntos. Teríamos rido tanto, dito uma tonelada de besteiras e palavrões. Feito inúmeras declarações de amor. Da forma que só nós dois fazíamos.

Terias me ligado todo o dia, e me metido a boca nas vezes que eu esquecia o celular. E eu, feito o mesmo contigo. Saberias quando eu não estivesse bem. E eu, aqui do outro lado, só de te saber por aqui, já me sentiria melhor.

Acordaria contigo em minha casa, no final de semana, cantando ou assobiando as mesmas cantigas com as quais me ninavas ainda criança. Chegaria em tua casa sem avisar, só para ver teu olhar emocionado. Terias, meu pai, me proporcionado tantas alegrias e seguranças neste tempo todo que não estamos mais juntos, que eu seria bem melhor que sou hoje. Se bem que, cresci tanto com a tua ausência. Meio que no tranco, na marra, sem tempo e nem idade pra manhas.

Teríamos tomado algumas garrafas de vinho, feito um bom número de churrascos, comido alguns quilos de peixes e camarões. Terias me defendido de alguns monstros e velhos do saco com os quais me deparei já adulta. Farias isso com a mesma valentia de quando era pequena e dormia escondida no chão do teu quarto com medo de tudo. Terias me dado no mínimo algumas dúzias de livros e incensos. Terias me feito alguém melhor.

Sabe, meu pai. Tanta coisa teria sido diferente, mais leve, mais colorida, mais alegre, mais amena.
Mas tivestes que partir, da tua forma, metendo o pé na porta, sem meio termo ou tempo para que eu ajeitasse as coisas por aqui. Não eras nada discreto, como assim não foi a tua partida.

Mas está tudo bem, meu pai. Estamos todos bem. Cada um da sua forma, da sua maneira. Sentindo todos os dias das nossas vidas a tua falta. Olha por nós, tua família. Reza por nós. Proteja-nos. O resto, daqui do outro lado, deixa com a gente. Até o nosso reencontro, temos amor de sobra que deixastes de reserva. E, nele, vou me agarrando e ancorando os nossos que por aqui ficaram.

Ju Farias

Não nasci poeta, nasci amor e, por ser assim, virei poeta. Gosto quando alguém se apropria do meu texto como se fosse seu. É como se um pedaço que é meu por direito coubesse perfeitamente no outro. Divido e compartilho sem economia. Não estou muito preocupada com meus créditos, eu quero saber mesmo é do que me arrepia. Eu só quero saber o que realmente importa: toquei alguém? É isso que eu vim fazer no mundo.

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