Vó é aquela velhinha com um cheiro gostoso de bolinho de chuva e o olhar radiante como o brilho do sol. Ela pode nem saber fazer bolinho de chuva, o que é muito raro, mas a presença dela nos traz a lembrança de uma deliciosa tarde chuvosa, regada a doces e mimos. Muitos mimos! A vó é uma mãe que fez doutorado. E passou ‘com louvor’!
Às vezes, ela briga com a gente. E é quando ela fica ainda mais fofa. Vó dando bronca não convence, né? E se nós a chamamos de fofa no auge da bronca, aí ela briga mais ainda. É engraçado porque a vó é sempre aquela que dá o melhor presente no aniversário. Ou dá meias. Eu acho que quando as notas de um real foram extintas, foram as avós que mais sofreram. Afinal, dar dois reais para os netos comprarem doce na vendinha já é demais.
É uma delícia essa doce ingenuidade que parece se agarrar como um manto nestas avós. Ou elas são muito dissimuladas, ou vivem em um mundo paralelo, onde tudo tem cheiro de talco. Não, dissimulada é uma palavra que não combina com elas. A vó nunca dorme porque está sempre preocupada com a gente. E também fica brava quando a gente diz que ela estava roncando. ‘Era a respiração que estava alta por conta da alergia ao detergente’. Aliás, como elas gastam detergente, né? Pensando bem, abraço de vó combina com bolinhas de sabão. São leves e deixam a gente com uma sensação de paz indescritível.
Não é toda vó que sabe fazer crochê, mas todas elas gostariam que nós usássemos roupas de lã. Principalmente à noite, quando o sereno vira o bicho papão dos netinhos. Quando somos pegos desprevenidos com um frio repentino ou uma chuva inesperada, é a voz da vó que logo vem em nossa cabeça ‘eu avisei pra levar o guarda-chuva e se agasalhar que ia chover’. As avós certamente têm uma ligação muito forte com São Pedro. E com os fabricantes de guarda-chuva.
E por falar em Santo, toda avó tem uma coleção deles. No criado-mudo, na parede ou na cabeça. E elas sempre deixam um ou outro de castigo. Avó não tem religião, tem fé. A vó é aquela que, após levarmos uma bronca da mãe, nos fala baixinho: ‘não liga, ela é chata mesmo’ e nos leva até o pote de balas, deixando a vida menos amarga.
Para as avós, nós somos sempre ‘os meninos’, ainda que já tenhamos passado dos quarenta e constituído família. Mesmo sem a obrigação de educar, muitas vezes quando fazemos algo errado, pensamos: ‘o que minha avozinha pensaria disso?’. Sem saber, ela acaba virando nossa maior referência. E quando crescemos – e a vida nos deixa um pouco mais distantes delas – sempre que a coisa fica preta, sonhamos com o bolo de laranja com café que, embora simples, ninguém faz melhor. Ou com o doce de banana com cravo, que deixa na casa um cheiro aconchegante de sessão da tarde.
As coisas boas da vida sempre têm cheiro e gosto de vó, né? Vó é aquela que, após ter cuidado de todos, cansada, pronta para continuar a jornada, em paz, lá no ouro plano, você olha no fundo dos olhos e pensa: ‘por que eu não disse mais vezes o quanto te amo?!’. E, buscando conforto, olha novamente para aquele rosto marcado pelos anos de sabedoria e pelas broncas que não convencem, e deduz: ela sabe, ela sabe! Afinal elas sempre sabem.
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