Da vida quero o que é simples, mas de boa qualidade. Troco um jantar requintado por um arroz-feijão feito em casa refogado com muita cebola, alho e papo furado.

Gosto dos sentimentos simples, mas bem temperados. Do sorriso caseiro com uma pitada de pimenta. Das receitas simples de felicidade, fáceis de decorar, de seguir e de ensinar. Gosto de um canteiro de afeto cultivado no aparador da janela. Do cheiro acolhedor invadindo a casa e os corações. Das falas fáceis, da risada solta, dos medos guardados do lado de fora da porta de entrada.

Gosto de comer me reconhecendo nos sabores. De lembrar a riqueza que é apreciar sentimentos familiares.

Gosto de me sentir em casa dentro de mim quando estou perto do outro.

O meu castelo é de fantasia, construído dentro da casinha simples do interior. Nele, as paredes não possuem muitos quadros, a cozinha não precisa de muitos apetrechos, os armários não guardam grandes segredos. Mas as janelas são amplas, boas de se perder a vista.

No meu lar não sei receber visitas ilustres, cheias de etiquetas, de pompas e de mistérios. Este lar é ‘pobre’, porém limpinho. Quem chega descalçando os sapatos é bem-vindo! E também são bem-vindos aqueles que se deixam invadir sem medo, daquele jeito ingênuo de quem nunca percebeu as segundas intenções do mundo. Aqueles que tratam até os estranhos como ‘de casa’.

E eu, se preciso, jogo mais água no feijão para fazer render a amizade e a boa companhia.

É que aqui, os sentimentos são antigos, talvez até antiquados, cozidos em panela velha, devem ser resultado de receita de avó. As tarefas da casa são simples, mas há de executá-las com carinho.

Qualquer frescura pode ser substituída por uma boa dose de afeto. E no final do dia, uma mão lava a outra.

Às vezes, as roupas sujas se acumulam num canto da casa, mas a gente perde um tempo e lava tudo aqui dentro mesmo, no dia seguinte fica tudo às claras outra vez. As mágoas vão para o ralo junto com a espuma do sabão de coco.

Da vida quero o que é simples, mas de boa qualidade. Quero pessoas que trazem o que podem, mas se compartilham por inteiro e quando se afastam, carregam lembranças bem nutridas e corações satisfeitos.








Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 4 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresaria... hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem dois livros publicados, o romance ‘Castelos Tropicais’, e a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’. Seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’. Esta prestes a lançar seu terceiro livro, agora de crônicas – ‘Vibração e Descompasso’.