Estão me atrapalhando. Limitam meus movimentos, atravancam meu caminho, enroscam-se em minhas pernas, entopem minhas vias aéreas. Pregam-me no chão feito um peso morto, um balão superlotado, uma caça abatida.
Eu não quero, não. Eu preciso jogá-las fora.
Esse monte de cobranças acumuladas, esses pedidos não atendidos, essa pilha de expectativas frustradas, tudo isso precisa ir embora daqui. Vão para o lixo. É muita coisa, mas eu faço duas viagens. Aqui isso não fica mais.
Tantos projetos vencidos pelo tempo. Tantos planos amassados que deram em nada e agora estão aqui, apanhando poeira. Quero esse peso longe. Necessito de volta o espaço ocupado por eles, preciso esticar as pernas, estender os braços, respirar fundo. Que saiam agora!
Não posso mais com esse punhado de culpas, essas dores acumuladas doendo para sempre, roubando minha energia, levando-me a vida devagar.
Quanta roupa suja, encardida, quantas manchas que já não saem com alvejante! E esses medos pousados sobre os móveis como a poeira grossa? Desapareçam pelo canudo do aspirador de pó, desfaçam-se na eficiência do pano úmido. Escafedam-se junto com as caixas de remédio vazias, os cartões de visita de gente que eu nunca visitei, essa comida vencida na geladeira. Chega! Ponham-se daqui para fora e que seja agora!
Eu preciso de espaço, careço de ar. Que saia o peso morto e a vida se instale operosa, vibrante, ativa.
Aqui só fica o que vive, movimenta e aciona. Nesta casa, neste corpo só mora o que me faz mais forte, mais vivo, mais livre para o caminho, mais leve para o voo.