Muitos já passaram pela “noite escura da alma” e tantos outros ainda irão passar por ela. Existe a ideia de que a noite escura se dá, comumente, por longos períodos, no entanto, para mim, momentos longos ou curtos de desespero remetem à noite escura. Quando li “Brida” de Paulo Coelho compreendi que o escritor dedilhou muito bem esse conceito ao colocar a personagem principal, Brida O’Fern, em meio a uma floresta, de noite. Lembro-me de ter lido esse trecho em um momento no qual um ente amado apresentava febre noturna. Já tendo ministrado a medicação, compreendi que aquela febre era como a floresta escura e que naquele momento eu precisava me acalmar, ter fé e acreditar no melhor.

No romance de Paulo, logo no início da narração, a jovem personagem, ao buscar alguém que pudesse orientá-la, ser o seu mestre, é deixada por ele, sozinha em meio a uma floresta. No início da narrativa, Brida, deixa claro que não conhece muito bem o homem que a acompanha e que já ouviu coisas boas e ruins acerca dele. Ao andarem juntos ela não esconde que mesmo desejosa, há nela um temor crescente pelo que pode se desenrolar. Ao ser deixada em meio à floresta e notando que escurecia, a jovem passa a lutar contra seus medos. Brida passa então metaforicamente pela sua “noite escura da alma”.

Todos um dia já ouvimos esse termo e mesmo que não tenhamos prestado atenção a ele, podemos encontrá-lo não só em “Brida”, mas em canções e outras representações simbólicas. Um exemplo é a canção intitulada “The Dark Night Of The Soul” da cantora celta Lorenna Mckennitt.

O que poucos sabem é que Paulo e Lorenna buscaram inspiração em um remoto poema escrito pelo monge carmelita São João da Cruz, no século XVI. Esse monge foi quem primeiro nomeou e detalhou esse percurso doloroso pela escuridão em um extenso poema. Resumidamente, o poema chamado “Noite Escura” trata de um homem que caminha através da penumbra da noite, e do longo e ambíguo significado dela, até que um propósito, um entendimento maior se anuncia, trazendo a iluminação.

Quando somos acometidos por um ataque de ansiedade, quando vivemos uma longa depressão, quando nos deparamos com imprevistos difíceis de serem processados somos tocados pela “noite escura da alma” e seus desdobramentos.

Para os gregos a noite era uma deusa que gerou várias divindades, dentre elas o dia (Hêmera). Nesse contexto passar pela noite é importante para o entendimento e contemplação mais ampla da luz do dia. De acordo com o psicanalista Carl Gustav Jung ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão. A consciência da existência da noite traz temor, mas também incita à reflexão e à fé. Não podemos esquecer que é na escuridão da noite que se anunciam as estrelas com seus brilhos encantadores. Durante o dia elas estão lá, mas não podem ser vistas. A “noite escura da alma” nos empurra para que busquemos o melhor em nós. O melhor nas situações que nos surgem. O melhor nas possibilidades futuras.

Brida sente-se acuada em meio à floresta escura e seus perigos. O homem sempre temeu a noite, pois como primata fez da visão sua principal aliada para buscar alimentos e se defender de perigos ocultados pela escuridão. Brida como qualquer um de nós se desespera quando se vê só na floresta escura. Ela se agita e deseja até mesmo gritar, mas depois encontra em si memórias relativas à avó e à oração que lhe foi ensinada quando criança. Nesse ponto a personagem demonstra que em meio a uma situação de extrema angústia e imprevisibilidade, a calma pode ser encontrada intimamente através da crença no melhor.

Nessa narrativa, a floresta pode ser entendida como um amontoado de imprevistos, de acasos que não podem ser controlados ou adivinhados. A vida às vezes é assim, apesar de tentarmos torna-la previsível através da rotina. De dia a floresta pode ser contemplada e racionalizada, mas de noite ela assusta mesmo. A floresta escura incita que acreditemos não somente em nós, mas em um propósito maior. A floresta escura incita que tenhamos fé para sairmos vivos dela. A vida também é assim, principalmente nos momentos difíceis.

Felizmente o período que se anuncia após essa fase de percalços é de iluminação. Como se fossemos cingidos por um saber firme e ponderado a respeito da vida. Esse novo sol que nos toca o rosto depois das dificuldades faz com que nos sintamos mais fortes e mais certos dos caminhos que realmente desejamos seguir.

O importante é saber que não importa o quão difícil seja essa caminhada noturna dentre obstáculos, um dia a escuridão passa e o que fica são os ensinamentos. Enquanto isso, que a gente tenha muita calma e fé no melhor sempre.








“Palavras são mágicas, são como encantamentos sublimes que nos levam para onde quisermos, seja esse onde um lugar, um conceito ou uma pessoa”. (Vanelli Doratioto) Minha Página no Facebook: (www.facebook.com/vanellidoratioto) Meu instagram: (https://www.instagram.com/vanellidoratioto)