Ricardo Coiro
Quem nunca se reinventa, provavelmente, morrerá afogado por uma onda de mesmice, terminará a vida com cara enfiada em uma pegajosa poça de tédio ou, na melhor das hipóteses, viverá como um robô de aptidões limitadas desde o momento da concepção. Quem não se reinventa – por medo do inevitável erro ou por achar que é mais seguro permanecer em uma zona de conforto -, certamente, nega a chance de usar uma das habilidades mais admiráveis que o ser humano possui: a capacidade de evolução constante.
Claro que se reinventar, muitas vezes, pode trazer consequências ruins e fazer com que você volte dez passos no jogo da vida. Infelizmente, nem tudo é previsível e, por melhores que sejam as suas intenções e por mais certas que as chances de êxito possam parecer, sempre há um risco de dar tudo errado e de você acabar com a cara na lona. Porém, para escapar da perigosa zona de comodismo, é preciso aceitar os riscos inerentes ao novo. Quem não se move – nem um milímetro – por medo de errar, obviamente, também não fará novos acertos.
O medo, na dose certa, nos protege da demasiada coragem e nos faz avaliar melhor os riscos contidos no passo que estamos prestes a dar. Entretanto, o medo em excesso, indubitavelmente, congelará você e fará com que os seus dias, todos eles, pareçam um déjà vu morno, bege e sem gosto.
Mas como se reinventar? Como se desprender de um cenário que parece ser completamente seguro e, apesar dos tremores incontroláveis das mãos, encontrar forças para pisar em um território desconhecido? Como renascer das cinzas com as quais já estamos mais do que acostumados e, no meio daquilo que você pensa desde que se conhece por gente, encontrar o fôlego necessário para ideias inovadoras? Como? Se eu soubesse a resposta exata, sem dúvida, estaria mais rico do que a pessoa que inventou o Viagra. Porém, tenho um bom palpite para aquele que já está disposto a se reinventar e a evoluir, mas que não sabe por onde começar: aprenda a se desconstruir, ou seja, tenha coragem para se dinamitar. Pois só assim – amassando todas as folhas que considerava imutáveis no livro da sua vida -, conseguirá criar novas e melhores versões de você.
Do exato instante em que colocou a cabeçorra para fora do útero, até o presente momento, você vem sendo construído pelo meio no qual está inserido e pelas inúmeras variáveis com as quais você esteve – e ainda está – em contato. Você é uma esponja que vive a acumular repertório de todos os tipos – do emocional até o cultural. Você é resultado da soma dos muitos valores, conhecimentos, traumas e de outras muitas coisas que, de alguma forma – curiosidade, educação ou até por imposição – vieram até você. Até aí tudo bem, certo? Mas muito daquilo que hoje – como uma célula invisível – existe dentro de você e ajuda a formar a ideia do que pensa ser, precisa ser descontruído ou, ao menos questionado de maneira imparcial, para que você seja capaz de enxergar o mundo de outros ângulos. Entende?
Muitas vezes, sem ao menos questioná-las, achamos que portamos verdades absolutas. Verdades que, apenas por serem nossas e por terem colaborado diretamente na constituição do nosso complexo ecossistema de pensamentos, parecem-nos inquestionáveis e imutáveis. Mas será mesmo que tais verdades não passam apenas de um ponto de vista cômodo para nós? Será que aquilo que acreditamos piamente não se trata apenas de uma visão que imputaram em nós por algum interesse que desconhecemos? Pode até parecer que eu estou tentando induzi-lo a acreditar na existência de alguma teoria da conspiração. Porém, o que eu quero, de verdade, é que você não tenha apego desnecessário ao que hoje acredita e que, se em uma mesa de bar ou dentro das páginas de um livro, deparar-se com um caminho melhor ou que pareça mais coerente, da mesma forma que joga fora algo inútil, seja capaz de mudar de opinião e se desfazer da velha. Para que sejamos capazes de evoluir, não podemos ter apego emocional às visões que temos das coisas.
E daí que seu avô, quando você tinha oito anos, ensinou que o mundo funciona assim? E daí que, em vários debates e discussões, você defendeu a mesma posição – que agora já não parece tão justa – com unhas e dentes? Quem disse que não podemos mudar de opinião? Se estiver aberto a ouvir novas variáveis e pontos de vista contraditórios ao seu, com certeza, correrá o risco bom de esbarrar com algo que parece mais lógico – mesmo que desmonte tudo aquilo que sempre pensou.
Para aprender a se descontruir, precisamos abrir mão da vaidade e, principalmente, do pensamento corrosivo que faz com que nos sintamos menores a cada vez que somos convencidos a mudar de opinião. O primeiro passo para aquele que quer estar apto a se reinventar, é aprender a olhar no espelho e aceitar que está diante de um mutante, ou, como já dizia o cantor mais pedido em rodas de violão: de uma metamorfose ambulante. Somente graças à bravura imprescindível para jogarmos no lixo o que até ontem parecia parte essencial de nós, conseguiremos nos recriar em formatos mais evoluídos.
Não estou dizendo para, sem ao menos questionar, começar a acreditar em tudo que disserem a você. Se fizer isso, não passará de uma Maria-vai-com-as-outras ou de um papagaio sem opinião própria. Mas, se puder, comece a questionar tudo aquilo em que acredita. Se, para você, a hipótese A parece verdadeira, faça o possível para conhecer, a fundo, a visão da hipótese B, da C, da D e de todas aquelas que contrapõe a sua. Não há como dizer que algo é mentira ou ruim sem conhecê-lo profundamente.
Não encare como inimigos aqueles que têm posições – mesmo as mais extremistas – diferentes das suas. Os use – se eles estiverem dispostos a debater sem violência – para entender o outro lado da moeda. E, por mais doloroso que isso possa ser, não tenha vergonha de começar a pensar como eles. Só alguém muito vaidoso perderia, em nome do ego, a oportunidade de evoluir.
Nunca é tarde para começar a acreditar em Deus ou para começar a considera-lo a mais ilusória invenção do ser humano. Não é porque você hoje acredita na pena de morte como a punição ideal para crimes hediondos que, amanhã, graças ao conhecimento de um sistema penal menos falho do que o nosso (o brasileiro), você não possa mudar de opinião. Mudar de ideia – como muitos dizem por aí – não significa falta de opinião. Mudar de opinião, na minha visão – que talvez mude um dia – significa querer evoluir e estar disposto a se desfazer dos estilhaços desnecessários que, muitas vezes, nem sabemos como acabaram cravados em nós. Para evoluir, em muitos casos, é preciso aprender a apunhalar a vaidade que vive a nos confundir e a nos estagnar na mais covarde e egocêntrica das formas: a imutável
Deixe para morte o papel de colocar um ponto final em sua evolução. Até lá, só saiba que você nada sabe e que o pouco que acha saber, talvez, seja apenas o primeiro degrau ou contraponto para uma sabedoria maior.