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A DIFERENÇA ENTRE SER BOA E BOAZINHA

Somos estimulados a sermos filhos obedientes, alunos estudiosos e disciplinados. Somos estimulados a sermos educados em todas as situações. Somos estimulados a sublimar nossos desejos porque é errado, imoral, pecado ou engorda.

E quando finalmente nos tornamos o que pais, avós, tios, professores, catequistas e líderes religiosos nos ensinaram a ser, descobrimos que não somos admirados como gostaríamos de ser.

Embora sejamos impelidos constantemente a seguir regras e esquemas altamente fechados, somos nós mesmos e nos destacamos quando transgredimos e reelaboramos as regras a partir dos nossos paradigmas.

Um filho obediente, que diz sim a tudo para não incomodar ofertará muita tranquilidade aos seus pais, mas provavelmente será visto pelos mesmos como um ser inexpressivo, mesmo que tal convicção seja inconsciente. Como Freud formulou, não temos controle da nossa consciência.

Um aluno que cumpre todas as regras e se sai bem nas disciplinas regulares da escola causará menos frisson do que outro que é um ótimo esportista ou um grande artista. Os piadistas e carismáticos também têm seu lugar de destaque.

Muitas religiões ensinam a extrema obediência e auto depreciação, mas o que salva as pessoas são as atitudes intrépidas. Os catequistas têm seu trabalho facilitado por catequizandos que nada questionam, mas os que encantam são aqueles que trazem as perguntas mais insólitas.

É no desvio criativo, na transgressão redentora que nos redimimos e fazemos a diferença em nossa vida e na vida dos outros. Filósofos como os franceses Deleuze, Foucault e Derrida, considerados transgressores, ressaltaram a importância da criatividade para quebrar esquemas e padrões muito rígidos que servem como aprisionamento.

Foucault se centrou mais nas instituições, colocando hospícios e presídios no mesmo patamar das escolas, o que me soa bem pertinente já que as escolas me parecem bem mais transmissoras do senso comum do que qualquer outra coisa, salvo algumas exceções. A revolta de educadores diante de pensamentos como este expresso por mim indica o quanto grande parte dos professores e profissionais de Educação estão pouco preparados para o pensamento dialético, que é a alma de um processo educacional consistente.

Deleuze se centrou em aspectos metafísicos, isto é, na natureza da realidade e Derrida na desconstrução do texto, valorizando a multiplicidade de sentidos. Entende-se aqui texto como toda e qualquer mensagem com sentido completo. Infelizmente, na tentativa de sermos socialmente perfeitos, convenientes e adequados às mais variadas situações, anulamos o nosso potencial e vontade empreendedora e criativa. E o pior de tudo: ainda não agradamos. Não é à toa que muitas pessoas submissas são desprezadas pelo sexo oposto. Não é à toa que filhos rebeldes conseguem mais privilégios dos pais e alunos carismáticos marcam mais os professores do que os dedicados.

Não defendo a porra louquice nem quem sejamos rebeldes sem causa. O que defendo é pôr limites em determinados cabrestos que limitam a nossa personalidade e nos induzem a uma vida que não é a nossa. O que defendo é uma vida mais autêntica, menos subserviente ao desejo alheio, à aprovação das autoridades. E como autoridade não me refiro á líderes políticos ou chefes. Me refiro às autoridades afetivas. Não, você não será menos amado se você for você mesmo. Você será simplesmente amado ou odiado por aquilo que você é.

 

Sílvia Marques

Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.

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