É antipedagógico sugerir a abstinência sexual para os adolescentes?

O governo federal preparou uma campanha para promover a abstinência sexual, como meio de evitar a gravidez na adolescência. O foco inicial são as redes sociais, a fim de divulgar o que eles chamam de “iniciação sexual não precoce”.

A iniciativa quer atingir o público de 10 a 18 anos, com o argumento de que a campanha não é marcada por princípios religiosos e sim por estudos científicos. Mas, a abstinência sexual como política pública não tem nenhuma evidência científica, e o tema está em desacordo com a laicidade do Estado e a secularização das instituições.

Essa ação surgiu nos Estados Unidos por forte influência de grupos religiosos, que pressionaram o governo americano adotar, como principal programa de educação sexual, o estímulo à abstinência sexual em adolescentes. Porém, diversos estudos apontaram que esse programa não foi capaz de evitar os riscos de gravidez na adolescência de um modo adequado.

O conceito de abstinência é o ato de privar-se de algo, que tem a sua origem no vocábulo estoico, que significa “suportar e abster-se” e no léxico cristão, constitui a “renúncia voluntária” à satisfação de um desejo. A negação da libido é uma premissa das religiões ancoradas no conservadorismo judaico-cristão, que desde os primeiros séculos definiam as práticas sexuais, e ainda hoje tentam impor uma moral sexual severa.

Na perspectiva psicanalítica, a cultura ocidental criou a moral sexual rígida à guisa de legislar acerca dos prazeres e controlar os grupos humanos. Para Freud, a religião e o senso comum se enganaram a respeito da sexualidade humana, contudo, de maneira tirânica obrigariam à privação sexual e o seu excesso de moralismo colocariam em risco a própria civilização.

Assim, a moral sexual rígida contribui para o aumento das doenças nervosas no mundo moderno, como fonte de sofrimento psíquico e resignação neurótica, pois ela exige a abstinência sexual, que seria sancionada pela religião e oferecida à divindade como sacrifício.

Em razão disso, as relações entre sexualidade e certas religiões são ambivalentes, porque elas buscam dominar o espaço mais íntimo das pessoas, o que pressupõe dominá-las por inteiro e também dominar a massa de crentes por meio do controle dessa zona íntima.

Portanto, a abstinência sexual é questionada pela psicanálise, já que é mais um mecanismo que pode causar adoecimento mental ou estimular os sentimentos de inveja, medo, frustração e perseguição aos que vivem a sua sexualidade com mais liberdade.

A verdade seja dita: é antipedagógico e contra o regime secular ou laical transferir para os adolescentes a carga neurótica da abstinência sexual, por intermédio de uma campanha pública, com viés moralista e religioso, que nasceu há mais de dois mil anos pela rigidez moral dos estoicos e dos primeiros cristãos.

Afinal, o sexo é uma parte importante das relações humanas e o interesse por ele se intensifica na adolescência. E o melhor caminho é a educação sexual, que irá proporcionar aos jovens o cuidado com o corpo humano e as informações sobre os métodos contraceptivos e de prevenção das DSTs.








Sociólogo e Psicanalista