Você acredita que essa pessoa nunca te prejudicaria, afinal, ela é alguém que você confia. O perigo está em medir o outro com a sua própria régua.
Eu estava no último ano de faculdade, quando passaram por cima de mim cinco caminhões pipa, dois tornados e uma boiada inteira. Eu só estava tentado chegar na linha de chegada viva, quando descobri que havia algo de muito errado nas minhas relações pessoais. Naquela linha tênue entre menina e mulher, amanheci achando graça em usar batom vermelho. O que havia de menina em mim não sabia a selva que era enfrentar o mundo de boca pintada. O peso da boca e das pernas femininas me sobrevieram quando o professor parou a aula e os colegas pararam de falar quando eu cheguei. “Tira esse batom vermelho, tá ridículo”, não lembro se ela me chamou de palhaça ou de puta, parei de ouvir direito quando entendi a interrogação de alguém que chamei de amiga por anos.
Cair na selva de paraquedas e sobreviver às lesões leva um tempo, não é de primeira que você entende do que se trata. Pode ser que seja de segunda, de terceira, e pode ser que você nunca aprenda. Viver bem não se trata apenas de ser uma pessoa boa, se trata de saber se proteger de relações tóxicas. Faz pouco tempo que entendi que mais que bondade, a gente precisa de atenção. Ela abaixa sua autoestima, mas é sua amiga. Ele atrasa seus sonhos, mas te ama, é seu pai, é seu irmão, é seu amigo. O perigo das relações tóxicas é que elas se aproveitam do seu afeto. Você acredita que essa pessoa nunca te prejudicaria, afinal, ela é alguém que você confia. O perigo está em medir o outro com a sua própria régua.
É preciso estar muito afinado com a própria vida, com a alma serena para ouvir e sentir as energias que existem ao nosso redor. Existe muita gente brilhando também. O mundo é um mar de fogueirinhas. Não dá mais para justificar, negociar ou se vender para contrabandista de pessoas. Ninguém sai ganhando, nem quem absorve o melhor de você e te deixa aos cacos. Essa pessoa também não ganha nada. Você vai abraçar quem está mergulhado na escuridão, não vai se salvar, nem salvar o outro. O seu amor por ela não é suficiente para isso. Dos poços, já bastam os que habitam em mim. Eu já tenho o meu lixo tóxico para cuidar, reciclar e eliminar. Às vezes, se livrar de uma pessoa tóxica é só uma questão de sobrevivência. Ou o último ato de amor.
— O mundo é isso — revelou — Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo. (Eduardo Galeano)
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