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Eu prefiro estar coberto de beijos do que de razão

A mulher é o centro de toda galáxia e quem não percebe isso deve estar enterrado em seu próprio pálido ponto azul. A referência da frase anterior é astronômica porque ela também poderia ser uma verdade científica, mas tem gente que só aprende quando já é tarde demais.

Fico atento ao relógio, conto com ele cada segundo que se vai, só que de maneira mais doída. Eu sei que ele não tem coração, pelo menos não igual ao nosso, mas parece sentir tanto quanto eu a ausência dos passos dela pela casa.

Quando ela chegar, vou dizer a verdade. Vou dizer o quanto senti a falta dela. Não me importo em soar cafona, nem um pouco. Ter dignidade é ser sincero e encarar as consequências, sejam elas quais forem. Contarei pra ela da minha saudade, não a comum, mas da saudade nua, sem carência de vestido ou calcinha. Vou lhe espalhar beijos pela nuca, envolver o seu corpo no abraço mais aconchegante que eu conseguir, sussurrando em seu ouvido o meu desejo por um mundo feito somente do abraço dela.

Quando ela chegar, atenderei a porta com flores nas mãos e direi: “pode entrar, fique à vontade e não precisa tirar os sapatos – só o vestido”. Depois, um tango torto. Pernas entrelaçadas em um passo de improviso e um sorriso no rosto. No rádio, uma canção escolhida a dedo; na mesa, o chá que ela tanto gosta, perfumando a casa com cheiro de saudade.

As mazelas do mundo não importam. Não nesse momento. Não agora que senti o peso de como seria uma vida sem ela, sem a mão dela sobre o meu peito todo dia de manhã ao acordar, sem aquela risada gostosa de quem leva a vida como um poema escrito à máquina. Tudo o que eu quero agora é uma dança lenta, sentir os dedos de camomila dela passeando em meus cabelos, acalmando cada centímetro do meu ser e dando paz e mansidão ao que antes era só tempestade.

Não quero discutir o que já foi, nem ter um ataque de ciúmes perguntando sobre cada detalhe dos passos que ela deu enquanto não estava aqui. Eu prefiro as rendas, as unhas, as mordidas e a fome viva na carne… A santidade pode esperar.

Eu prefiro estar coberto de beijos do que de razão.

Joce Rodrigues

É escritor, editor e repórter. É colaborador de veículos como Revista da Cultura, Valor Econômico e Gazeta do Povo e já foi responsável pelo conteúdo jornalístico do site CONTI outra. Cobre principalmente assuntos voltados à saúde mental e comportamento. ​

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