Você não dividiu sua ferida. Ela continuou em você . Ela é só sua. Mas agora ela não é mais secreta. Você não carrega mais esse fardo de esconder algo. Agora você tem com quem poder contar. E a partir de agora você pode tratá-la da forma exata. Usar as roupas que não machuquem essa ferida.
Não tenha vergonha de sua ansiedade ou depressão. Só compartilhando sua dor você poderá se tratar corretamente.
Lembro do dia em que tive meu primeiro ataque de pânico. Passei uma semana inteira de dor de cabeça intensa e mil dúvidas do que fazer com minha vida. Ao chegar a noite em casa, tive que me deitar na cama. Uma taquicardia me tomou, meu corpo não parava de tremer. Uma sensação de que eu não estava no meu corpo. Senti que estava enlouquecendo.
Nesse dia, um amigo com quem eu dividia o apartamento me acalmou. Após perguntar o que eu estava sentindo, falou que eu estava tendo um ataque de pânico. Ele já havia passado por isso. Que aquilo ia passar. Pediu para eu respirar e inspirar. Disse que era comum aquela sensação de ‘fora da realidade’. Fez chá para mim e passou a noite ao meu lado até que eu me sentisse melhor.
Eu tive muita sorte em ter uma pessoa como ele ao meu lado num dos momentos mais difíceis da minha vida. E a companhia dele continuou em tantas outras crises. Mais que isso. Ele desfez meu preconceito e iniciei minha terapia. Consultei-me com psiquiatra.
A primeira coisa que pensei ao acordar no outro dia era que eu não podia mais trabalhar. Eu estava ficando louco. Eu tinha medo de ir ao trabalho e ter um ataque de pânico na frente dos meus colegas.
Tentei me segurar mas cheguei aos prantos para conversar com meu chefe. Ele contou que o pai dele passou por algo parecido há algum tempo. Que era comum. Para eu me acalmar. Eu não estava louco. Eu estava sob pressão.
Percebi que eu não podia parar de trabalhar.
Reuni minha equipe e contei o que me aconteceu. Que eu não iria parar de trabalhar. Eu iria tentar. Um dia poderia faltar. Um dia eu estaria sem energia ou desacreditado. Mas eu queria tentar. Eu queria continuar minha vida. Eles me abraçaram e ofereceram apoio.
Ainda estava péssimo mas todo aquele apoio me fez ficar otimista. O fato de não precisar esconder aqueles sintomas me tornou mais empoderado. Eu estava longe de ser curado mas aquele era um elemento importante. Não ter medo do que me afligia. Não tentar segurar aquela besta que as vezes se rebelava dentro de mim. Sem meu controle. Quando eu menos esperava.
Então entendi a força de compartilhar a dor.
Imagine você criança. Após uma travessura, machuca seu joelho. Você não pode contar do machucado para sua mãe. Ela descobrirá que você estava desobedecendo. Você então esconde o machucado. E sem cuidado, aos poucos, ele cresce, cresce. Você tenta usar roupas que escodam, e elas machucam ainda mais a ferida. A todo momento, você esbarra em algo que toca na lesão e faz lembrar dela. A paranoia aumenta e você imagina se sua mãe não está suspeitando de algo. A ferida se aprofunda, e doi mais, e o segredo vai se tornando insuportável.
As dores mentais são assim. A maioria das pessoas tem medo de contar o que sentem com medo de serem taxadas de loucas. Preguiçosas. Desequilibradas. E escondem dentro de si. Escondem a ferida. Aos poucos ela aumenta e chega num ponto que se torna insuportável carregar. Mesmo não sendo algo visível, como um corte no joelho, ela doi. E muito mais, afinal é a alma que está sendo atingida.
Por isso é tão importante compartilhar sua dor. Ao contar a alguém o que se passa com você, ela pode dividir experiências. Dizer que já passou pelo mesmo. O que ajudou a ela ultrapassar aquilo. Que aquilo é passageiro. Ou somente te indicar a alguém que pode de fato te ajudar. Você não dividiu sua ferida. Ela continuou em você . Ela é só sua. Mas agora ela não é mais secreta. Você não carrega mais esse fardo de esconder algo. Agora você tem com quem poder contar. E a partir de agora você pode tratá-la da forma exata. Usar as roupas que não machuquem essa ferida.
Compartilhar sua dor é muito mais do que dividi-la. Do que diminuir o peso que você carrega. Compartilhar sua dor é deixá-la exposta. E só o que está exposto pode ser curado.
Por influência de outras pessoas, passei a meditar. Mudei hábitos. Evitei substâncias que me agitassem. Muitas dessas pessoas eu nem conhecia. Eu conhecia apenas seu relatos e experiências na internet. Eu não estava só em minha dor. Outras (muitas na verdade) pessoas já haviam vivido algo parecido.
E nesse meio de caminho tive que me proteger. Além de obstáculos mentais, de pessoas que olham para esses problemas com preconceito. Como se não fosse algo sério. Inclusive pessoas que tanto gosto porém que não tem empatia com problemas mentais. Precisam sentir na pele para um dia entender o que se passa numa cabeça com ansiedade ou depressão. Proteja-se dessas pessoas e de toda negatividade que vai tentar te atingir.
Minha última barreira em aceitar meu problema e expor para ente queridos foi minha mãe. Ela mora longe de mim e eu tinha medo de contar o que estava acontecendo comigo. E preocupá-la. Eu não queria deixá-la nervosa com meus problemas. E mais que isso. Eu tinha medo de visitá-la na Paraiba (moro em São Paulo) e ter um ataque na frente dela. Eu queria ser forte. Passei um ano e sete meses sem vê-la. Ainda no avião o nervosismo tomou conta. Há tempos essa ansiedade não vinha com tanta força.
Encontrei minha mãe e no primeiro momento escondi. Eu estava ansioso mas eu não tinha certeza do que fazer. No dia seguinte, resolvi.
Era a hora.
Chamei-a para o quarto e tive uma conversa franca. Contei o inferno que havia sido meu último ano entre crises de pânico e depressão. Ela chorou. E me surpreendeu. Revelou que passara por coisas parecidas quando eu era adolescente. Nas vezes em que eu cuidara dela quando meu pai saiu de casa. As vezes em que ela não saía de cama e eu tive que cuidar da casa. Ela teve depressão.
Foi um momento revelador. Mãe e filho expostos. Dividindo uma dor. Se ajudando. A dor criando laços ainda mais fortes entre os dois. E os tornando mais fortes.