Anatomia de uma relação fracassada:
Diz o budismo, muito sabiamente: mantenha-se no presente. Passado é para os depressivos e futuro é para os ansiosos. Sábias palavras, talvez nosso maior desafio.
Nascemos para viver em grupo. Procuramos companhia e quando ela chega, é como se pudéssemos então escrever e seguir o script dos nossos desejos – como se o outro fosse coadjuvante na novela da nossa vida. É como se tudo fosse acontecer conforme prevemos e queremos.
Foi assim com uma menina que conheci. Ela começou namorar cedo e desde então passou a fazer planos para se casar. Os planos eram ambiciosos: uma casa, um casamento na igreja mais bacana (aquela que fica no centro da cidade, onde todos os ricos se casam), uma festa para todos os convidados, enfim, seriam anos de preparação. E foram.
Namoraram por mais de uma década e neste tempo guardaram todas as economias e direcionaram todas as energias para a tão sonhada e planejada vida. Ela fez dele um fiel e dedicado soldado, e ele cumpriu fielmente às suas ordens e desejos. Neste tempo, quase nunca namoraram de verdade, transaram mecanicamente e mal se conheceram – porque só olhavam para o futuro e para a meta que tinham que cumprir juntos.
Enfim, um dia casaram-se. Fizeram a cerimônia, a festa aconteceu e a casa estava lá, pronta. E agora? O que iriam fazer?
Passaram quase uma década e meia esperando por este dia e não havia mais meta a cumprir. Era como se tivessem escalado o Everest e ao chegar ao cume dissessem um ao outro: “Pronto, conseguimos, podemos descer”.
O melhor da festa é esperar por ela e depois que ela termina, vem o vazio. Um buraco a tentar se preencher com o álbum, com as lembranças; é como se tivessem um troféu de honra ao mérito. Conseguimos!
Eram bons parceiros, mas havia um problema: eles não se amavam mais, ou talvez nunca tivessem se amado. Eram duas pessoas envolvidas em uma teia de compromissos a cumprir e metas a alcançar, mas ao voltarem-se para o aqui e agora, ao olharem para si mesmos – eles sequer se conheciam.
Poderiam agora buscar outra meta – que talvez seja ter um filho. Isso poderia envolvê-los em outra jornada e iria distrai-los de ter que olhar para si mesmos. Poderia demorar e isso ajudaria na duração da parceria.
Mal se conhecem, talvez não se suportem, mas casaram-se com os anos de namoro. Casaram-se com a casa, com a festa e certamente um deles não passou de um boneco desses que enfeitam os bolos. Sim, muitos procuram e querem o outro porque não há casamento sem que alguém faça o papel do noivo. Muitos parceiros vivem dentro de um casamento no qual não podem expressar suas vontades e não são sequer donos de suas vidas e de suas agendas. Seguem as ordens do diretor da novela.
Alguns casamentos assim se acabam. Outros duram uma vida toda e são ostentados como troféus em festas de bodas de ouro, mas custam caro. Eles custam uma vida. Custam a dor de alguém que, sabe-se lá porque, submeteu-se a ser personagem do outro.
Felizes são os que se libertam das amarras do passado e dos desejos idealizados para o futuro. A vida é hoje – é só o que se tem.
Eu nasci sabendo disso e levei muita bronca da minha mãe porque quando ela me comprava uma roupa ou um sapato eu os vestia na hora. Ela me dizia que eu não deveria fazer isso, que deveria guardar para uma ocasião especial – e eu desobedecia. Só compro quando preciso, e se comprei, eu uso.
Não existe amanhã, aquele dia pode não chegar e se você pensa em encontrar um relacionamento para enfim poder fazer seus planos, esqueça! Vi muita gente gastar e perder a juventude, sacrificando tempo, dinheiro e deixando de viver bons momentos para guardar para o futuro. Relações que acabaram porque deixaram de ir àquele bar ou àquele show para guardar dinheiro para a festa de casamento e que hoje, amargam a idade passando, a prisão e o cheiro ruim da morte putrefada daquele relacionamento que já morreu faz tempo.
Não são as casas, as festas, as cerimônias que fazem um casamento feliz. Todos nós temos uma lista de gente que fez isso e que não foi feliz. Salvos estão os que conseguiram escapar e que conseguem viver o amor “só por hoje”. Felizes os que olham para o amanhã com serenidade, que sabem que é preciso um teto, mas que não esquecem de que todos os dias há uma planta a regar, e que não se deve armazenar a água para amanhã sob o alto custo de matar de sede aquela plantinha que um dia gerou um encontro.
Fujam de quem lhes busca para que possam fazer um papel em suas peças teatrais. Mesmo que lhes deem o papel principal. Ao aceitar receber ordens do diretor, você estará abrindo mão de sua própria existência. Deixará de fazer escolhas, deixará de ser livre e por mais tentador que seja esta sensação de segurança – ela lhe custará a sua vida.
Não existe script e nem tampouco segurança para ninguém. Não caiam neste conto do vigário. Viver é arriscar-se e é um risco que se corre todos os dias quando se levanta da cama – você pode não voltar. Todos os dias você pode morrer, ou você pode viver. Viver hoje, fazer hoje, sentir hoje, dizer hoje, viajar hoje, experimentar hoje, amar hoje.
Não dê ao outro as rédeas da sua vida. Não busque o outro para que seja seu fantoche. Olhe para dentro. Viva e os encontros acontecerão. Cada um está no seu caminho.
Abra sua alma, abra qualquer fresta que consiga para encontrar alguém que lhe acrescente algo de verdade, só por hoje. E este hoje pode durar um dia, um mês, um ano, ou uma vida inteira.
Não caminhe ao lado de desconhecidos. Não faça nada que não seja de sua vontade.
A submissão vicia. A segurança não existe e não protege ninguém dos medos. Ou se vive, ou se sobrevive.
Ou somos livres, ou alguém nos escravizará. Ou enfrentamos, ou morremos. E ninguém se importará.
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