Comportamento e Psicologia

A geração dos quase 30 e a casa dos pais.

“Com a tua idade já eu isto aquilo e o outro.”

“Com a tua idade já eu trabalhava há xx anos, com a tua idade já eu geria a minha vida, com a tua idade tinha responsabilidades, uma casa para gerir e uma família para sustentar, sim porque com a tua idade já eu era casado e já tu existias.”

É isto que ouvimos. É este o discurso que por mais íntegro e real que pareça, nos desintegra por dentro aos pedacinhos, dada a inadequação face aos tempos que correm, face à irrealidade de se ser independente na casa dos 20, à precaridade laboral, à era dos estágios profissionais ou outros não remunerados. Ao pagar para trabalhar, aos recibos verdes, aos licenciados desempregados e à ocultação desses mesmos diplomas nos currículos vitae para se conseguir um part-time, ou com sorte um full time, cujo prazo de validade se compreende entre os 6 e os 18 meses (não sendo relevante a especificação dos locais, por serem do conhecimento geral).

“Quando tinhas a minha idade os tempos eram outros, com a minha idade existia emprego, a quem tinha estudos o trabalho não faltava, quem não os tinha também sempre se desenrascou, noutras áreas é certo, muitas vezes com rendimentos superiores aos que auferimos hoje em dia. Com a minha idade a independência era conseguida bem mais cedo, não só por nem se considerar a hipótese de os filhos criarem raízes em casa dos pais, como era essa mesma a lei da vida: se tens asas voa.

Não esquecendo uma outra face da moeda, em que as filhas eram muitas vezes empurradas para um casamento com um qualquer bom partido, mesmo que no fim tudo saísse desfeito. Com a minha idade existia maior poder econômico nas famílias do que existe atualmente. Mas diz-me, com a minha idade quantos sonhos perdeste?”

Seremos nós, geração dos quase 30 em casa dos pais, donos de toda esta culpa que nos fazem sentir? Não, não somos.
Muitos já experimentamos a falsa independência, aquela em vamos para fora estudar, com tudo pago pelos pais. De facto saímos de casa, mas o privilégio de poder pagar as contas não é nosso. Arrumamos a casa, vamos às compras, cozinhamos e passamos a ferro, ganhamos responsabilidade e uma independência ilusória.

Mais tarde regressamos, e não só nos é difícil o regresso, como a readaptação a uma gaiola de onde já voamos.
Por sorte consegue-se um emprego, longe da terra. Aluga-se uma casa, “uff independência”. Contas feitas: renda para pagar, água, luz e gás, alimentação, carro, seguro do carro e combustível… já não sobra nada, por vezes nem chega. Mas queremos ser independentes e sair de casa dos pais, e por isso no mês seguinte comemos um bocadinho menos para ter uns trocos para umas saídas, uns cafés, quem sabe jantar fora ou ir ao cinema. Aqueles 40 ou 50 euros que se pagam para respirar.

No mês seguinte já pesa na consciência e já não saímos. Deprimimos em casa. Mas somos independentes, porém dependentes do pouco que o nosso trabalho representa.

Das duas uma, ou ligamos a pedir dinheiro todos os meses ou regressamos de novo às origens, frustrados mas com alguma experiência adquirida no que à independência diz respeito.

Voltamos ao envio de Curriculum’s, à expectativa do telefonema, à inercia do desemprego e do sentimento de inutilidade, e não tarda estaremos de novo a ouvir “Quando eu tinha a tua idade…”.

“Quando tu tinhas a minha idade não tinhas por certo começado a trabalhar aos 21 numa empresa conhecida que até não te pagava mal (dadas as poucas despesas que tinhas), quando tinhas a minha idade essa mesma empresa não te cortou o vencimento no ano seguinte tendo-te aumentado as horas de trabalho não remuneradas. Quando tu tinhas a minha idade, ao fim de 3 anos nessa mesma empresa, não estavas a receber metade do que recebias ao início, quando não tinhas nem metade das responsabilidades, nem tão pouco conhecimentos sólidos. Quando tu tinhas a minha idade não te deparaste, quatro anos mais tarde, a pagar para trabalhar. Quando tu tinhas a minha idade não refletiste noites e noites sem dormir, pesaste prós e contras e escreveste uma carta de demissão, porque quando tu tinhas a minha idade, a efetividade significava trabalhar para a mesma entidade a vida inteira. Até à idade que tens hoje.

Quando tu tinhas a minha idade não passaste de cavalo para burro, sim porque já recebi razoavelmente, já recebi bastante mal, já paguei para trabalhar e agora dependo de um estágio profissional, que é o trabalho que há (e que foi inventado para camuflar os números do desemprego), e ao qual me dedico como se fosse um alto cargo numa qualquer empresa. Finalmente, quando tinhas a minha idade não voltaste para casa do pais.”

E estes somos nós, a geração dos quase 30 na casa dos pais, esperando com o pouco alento que ainda nos resta, poder um dia ser independentes, ter o privilégio de pagar as nossas contas, respirar, viajar, sonhar, realizar esses mesmos sonhos… e por este andar, lá para os 50 constituir família.

Pais, por favor, vocês não iriam querer ter, hoje, a nossa idade.

Resiliência Humana

Bem-estar, Autoconhecimento e Terapia

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