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Helena D’Arádia: A mulher que conduz outras mulheres rumo ao ‘sagrado feminino’

Helena acredita na espiritualidade como motor para encontrar a essência: “O fundamento do feminino é a gente conseguir se ouvir, se dar a mão. Ajudar uma outra mulher.”

Helena D’Arádia, aos 58 anos, é uma mulher nativa que trabalha com a medicina do feminino e é condutora de práticas circulares. Ela é uma das expoentes do Sagrado Feminino, e há 32 anos ouviu um chamado, dentro da espiritualidade, para que se dedicasse à vida de todas as mulheres. Criadora do Bosque de Arthemis, há 18 anos Helena conduz ensinamentos e práticas relacionadas ao Sagrado em um ambiente cercado por árvores, folhas e animais. A conexão com a natureza é um dos fundamentos dessa espiritualidade, e é a partir dela que Helena passa seus ensinamentos às dezenas de mulheres que frequentam as atividades do bosque.

A relação com a espiritualidade, aliás, vem desde a infância. Helena relata que era uma criança sensível, que via “coisas” e tinha certo medo dessas experiências. O pai, um fronteiriço “ateu graças a deus”, não deixava que a questão espiritual fosse esmiuçada dentro da família. A mãe era boa com ervas e plantas, e era aquela que fazia remédios a base de ervas para os amigos. Apesar do cenário favorável a uma espiritualidade bem desenvolvida precocemente, Helena levou tempo até perceber a força de todas as questões que a cercavam.

Muita coisa que eu acreditava ser começou a se perder, e o que ficou foi essa espiritualidade que eu comecei a aceitar.

“Nós somos uma mescla dessas mulheres, e entender é fortalecer isso.”

“Em algum momento da minha vida, as coisas não faziam mais sentido, eu comecei a sentir um vazio muito grande e a encontrar com a espiritualidade de forma muito mais poderosa do que apenas ter uma sensibilidade. Ela adentrou na minha vida. Muita coisa que eu acreditava ser começou a se perder, e o que ficou foi essa espiritualidade que eu comecei a aceitar”, explica.

Desde que aceitou o seu chamado à espiritualidade, estuda e viaja para aprender e ensinar sobre o Sagrado Feminino.

Mas é na casa em Niterói, onde funciona o Bosque de Arthemis, que ela organiza os encontros e tem maior contato com as mulheres.

“A minha casa é uma casa voltada para todas as línguas, todas as idades, todos os tipos de mulheres. O Sagrado Feminino, ele não é um círculo de mulheres, apenas, é um círculo de fundamento espiritual, e fundamento de mães antigas”, diz.

O fundamento de mães antigas, aliás, está presente em toda a fala de Helena. Com críticas bem embasadas ao movimento pop que levou o tema às rodas de conversa, ela ressalta que o Sagrado Feminino não é passível de desistência. “Não é simplesmente moda, não dá para cansar e desistir. É um lugar que envolve a espiritualidade de cada mulher, o ori de cada mulher. eu dirijo uma casa de 80 mulheres, e eu digo para elas o seguinte: o ori de vocês me escolheu pra conduzir e eu tenho responsabilidade com o que vocês carregam dentro da vida de vocês.”

A alta sacerdotisa é assertiva quando opina sobre a necessidade de olharmos ao passado para vislumbrarmos um melhor futuro. Para ela, toda mulher se reconhece em uma força ancestral.

Não é simplesmente moda, não dá para cansar e desistir. É um lugar que envolve a espiritualidade de cada mulher.

Há 18 anos Helena conduz ensinamentos e práticas relacionadas ao Sagrado em um ambiente cercado por árvores, folhas e animais.

“Dentro da casa do sagrado feminino somos como paleontólogas: vamos cavar nossos barros, achar nossos ossos, nossos sentidos e nos reconstruir como pessoa, como mulher e como linhagem. Eu sei como sou externamente, mas como era a avó, a tataravó, quais eram suas força? Como elas se comportaram através do tempo? Nós somos uma mescla dessas mulheres, e entender é fortalecer isso”, define ela à reportagem do HuffPost Brasil.

O autoconhecimento atual e ancestral, portanto, seria responsável pela libertação das mulheres que entrem em contato com sua essência. Esta é uma das principais lutas de Helena.

Uma coisa que o Sagrado Feminino traz e que é maravilhoso é autoaceitação, descobrir sua beleza pessoal. Quando ela encontra com isso, ela encontra com uma força maior.

Desde que aceitou o seu chamado à espiritualidade, estuda e viaja para aprender e ensinar sobre o Sagrado Feminino.

“Ela se liberta social e espiritualmente, e acha uma força que ela até então não entendia e não identificava que tinha. Ela acha uma outra beleza nela. Uma coisa que o Sagrado Feminino traz e que é maravilhoso é autoaceitação, descobrir sua beleza pessoal. Quando ela encontra com isso, ela encontra com uma força maior”, afirma, e acrescenta que esta força maior também vem junto com uma paz interior, tão ansiada nos dias atuais.

O entendimento de que o Sagrado Feminino é exclusivo às mulheres cisgênero não tem vez com a Helena. Para a alta sacerdotisa, as mulheres transgênero são bem-vindas nos círculos. “Eu acredito, como uma sacerdotisa antiga, que o feminino é uma essência, uma essência do espírito, um fundamento do espírito. Mesmo que tenha fundamentos dentro do útero. Mas novos espíritos estão chegando de outras formas, e se nós não tivéssemos abertos a aprender, qual o sentido da casa?”, provoca. E ela destaca que o maior ensinamento das mulheres trans em relação ao feminino é a busca delas para chegarem à essência, que muitas mulheres lutam para se afastar.

Eu não empodero mulheres, eu conduzo mulheres a elas mesmas e elas me conduzem a mim.

O entendimento de que o Sagrado Feminino é exclusivo às mulheres cisgênero não tem vez com a Helena.

O Sagrado Feminino, aliás, é alvo de críticas externas, mas Helena destaca a importância maior do trabalho que faz: a conexão entre mulheres, que reunidas e seguras dão medo.

“Quando você se coloca — e eu digo com altivez, não soberba — quando você firma seu lugar, de entender o que não cabe e não é bom para você, é parte de uma trajetória de procurar o seu lugar. Então, sim, muitas vezes causa medo. Não é fácil, o entorno não entende muito. Ainda é visto naquela forma: ‘o que essas mulheres fazem reunidas? O que elas esperam?'”, aponta.

O afastamento da mulher da sua própria essência é creditado também à necessidade de criar profissionais extremamente produtivas. Aos poucos, a rotina da sociedade patriarcal interfere na rotina necessária para uma mulher, e isso reflete, inclusive, em dores.

“[Na menstruação, a mulher] se sente cansada porque ela abre o chacra básico e amplia o chacra coroa, e vira uma esponja do entorno. Nos povos originários, as mulheres na lua (menstruação) se recolhiam para fazer trabalhos internos. Hoje você tem que sair, trabalhar e render, ser produtiva. Seu corpo está inadequado, e com a inadequação você sente tudo: mal estar, pés inchados, cólicas. Se você não está harmonizada, o corpo precisa expulsar a energia que não te serve”, explica.

Não é fácil, o entorno não entende muito. Ainda é visto naquela forma: ‘o que essas mulheres fazem reunidas? o que elas esperam?’

Para Helena, a ajuda verdadeira foge do jargão do empoderamento.

Há cinco anos, Helena precisou se reconectar consigo mesma para um tratamento de câncer de mama bilateral. Num hospital público, ela diz, se reconheceu em outras mulheres e aprendeu com elas lições fundamentais. Espiritualmente, ela afirma que foi preparada para a doença, que sabia que algo iria acontecer, mas após o câncer, ela qualificou o debate sobre a necessidade do desprendimento do corpo.

“Houve um determinado momento que eu fiz as pazes com o processo e ele foi um pouco mais amoroso. Hoje, quando eu faço o círculo, sempre abordo que não pode se resumir no peito. Nossas formas são sagradas, mas a essência é mais sagrada ainda”, destaca.

Após o tratamento, do qual terá alta em breve, ela decidiu não fazer a reconstrução dos seios. Para Helena, a cirurgia, chamada de “retalho” pelos profissionais da área, não é necessária.

“É meu direito. Por que vou tirar a musculatura das minhas costas ou barriga apenas para colocar o peito? Porque todo mundo diz que tem que ter peito. Eu já tive uma trajetória de quimioterapia, radioterapia, várias cirurgias. vou ter que fazer mais uma para ser socialmente aceita?”, indaga.

Eu já tive uma trajetória de quimioterapia, radioterapia, várias cirurgias. Vou ter que fazer mais uma para ser socialmente aceita?

Há cinco anos, Helena precisou se reconectar consigo mesma para um tratamento de câncer de mama bilateral.
E para ela, o Sagrado Feminino, que conduz sua vida espiritual, tem sido banalizado e precisa estar além dos círculos promovidos por jovens mulheres nas áreas nobres da sociedade. “O círculo precisa estar dentro dos presídios, as mulheres de lá precisam falar das suas dores, encontrarem com essa força. As meninas de escola pública, também. Nós precisamos fazer um movimento inteiro, não um movimento parcial. O fundamento do feminino é a gente conseguir se ouvir, se dar a mão. Ajudar uma outra mulher.”

Mas a ajuda, Helena define, foge do jargão do empoderamento. “Eu não empodero mulheres, eu conduzo mulheres a elas mesmas e elas me conduzem a mim. Cada mulher é uma parte minha. Vamos dar as mãos e chegar a um denominador, mas não com o nome do empoderar, porque poder nós já temos. Você vai achar através de todas as mulheres e de você mesma as suas possibilidades”, finaliza.

Fomentando possibilidades, olhando para as outras mulheres com afeto, considerando o outro como igual, Helena acredita que logo o mar se acalma. “Nós estamos vivendo um momento meio sombrio no mundo, mas estamos no repuxar da onda. Virá uma onda maravilhosa e nós somos constituintes dessa onda.”

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