Quem nunca sentiu aquela dor insistente, latejante, ininterrupta e extremamente dolorida que vem de não sei onde, parece não ter fim e para a qual não existe remédio nas farmácias? Aquela causada pela promoção do colega de trabalho, pelo anel de noivado da amiga, pela constatação de que seu ex já é feliz com outra, ou pela visão de seu melhor amigo com a menina dos seus sonhos? Todos sofremos, em algum momento de nossas vidas, com a inveja que sentimos. Temos, no entanto, que saber lidar com ela, ou estagnamos sem sair do lugar.
Atualmente, mais e mais pessoas vêm sendo acometidas por esse mal, não importando a faixa etária, o grau de escolaridade, a cultura, o conhecimento de mundo, se rico ou pobre: a inveja é democrática e seu raio de ação é infinito. E, quanto mais as pessoas supervalorizarem as posses materiais e as aparências, mais facilmente esse sentimento encontrará terrenos propícios a que a inveja se instale.
Afinal, se tivermos que obter o corpo perfeito, o sorriso branco, o emprego dos sonhos, o carro do ano e a grana no banco para alcançar o sucesso e a satisfação pessoal, então estaremos fadados inevitavelmente ao fracasso – visto que somos humanos e não máquinas – e à consequente desvantagem em relação àqueles que aparentam possuir tudo aquilo que queremos, não sabemos lá por que razão direito, mas queremos e ponto. Obrigados a conviver com a imagem imperfeita que enxergamos no espelho, lado a lado com a vidinha aparentemente perfeita dos vizinhos, e com os crescentes juros do cartão de crédito, a inveja se instala.
A lógica de mercado, por seu turno, que se vale da competitividade, estende-se aos vários setores da vida, seja sociais, seja nos ambientes de trabalho, nos quais parecemos estar em competição perene com os colegas. Cada um de nós tem a própria história, as próprias necessidades, e estas podem perfeitamente não estar atreladas, por exemplo, a cursos de aperfeiçoamento, à dedicação extrema ao serviço, ao trabalho levado para casa aos finais de semana, muito menos a bajulações dissimuladas aos chefes.
Optarmos por nos dedicar um pouco mais a nós mesmos e ao lazer, entretanto, poderá nos trazer melhor qualidade de vida, enquanto assistimos ao funcionário da mesa ao lado, que deixou de ir a boates para cumprir metas e elaborar planejamentos, ser promovido e tratado com mais solicitude pelos superiores. Perdidos na incompreensão de que ele foi merecedor pela sua dedicação, ao passo que, ao mesmo tempo e corajosamente, não abdicamos de nossas vontades, acabamos por invejá-lo.
Da mesma forma, existem pessoas mais disciplinadas, muitas vezes exageradamente, que se dedicam a exercícios físicos e correções plásticas com avidez, mantendo uma aparência jovem e saudável – se bem que, em muitos casos, desconfiguram-se. Não privilegiarmos nosso físico, lançando-nos aos prazeres da mesa farta, acabará nos afastando dos ideais de beleza em voga e poderemos estar fadados a invejar a beleza alheia.
Uma coisa é certa: se estivermos felizes e realizados, ficaremos de bem com a vida e com tudo aquilo que somos, ou seja, não nos importará nosso peso, nossos fios brancos, tampouco ficaremos de olho na grama do vizinho, pois o que tivermos conosco nos bastará. A questão, como se vê, não consiste em deixar de se permitir entregar-se, dividir e acolher o outro em nossas vidas, com o intuito de não ter ou sofrer inveja, mas tem a ver com a forma como lidaremos com as inevitáveis decepções advindas dos encontros e desencontros a que estamos sujeitos em nossa caminhada: ou as digerimos em nosso favor ou por elas somos engolidos.
Haverá sempre quem esteja acima de nós no trabalho, quem consiga comprar bens que nós não temos, quem esteja amando enquanto permanecemos solteiros. E haverá também quem esteja abaixo de nós. Como se vê, a inveja sempre existirá, mas só encontrará terreno junto àqueles que se encontram eternamente insatisfeitos, incapazes que são de perceberem todas as benesses que a vida lhes proporciona e de sentirem gratidão por aquilo tudo.
Se nos negarmos à exposição do que temos dentro de nós, em nossas dores e alegrias, estaremos condenados à solidão e ao empobrecimento espiritual, pois são as trocas que nos enriquecem e nos fortalecem enquanto seres humanos, afinal, é na simbiose saudável de nossa vida com as vidas de quem amamos e nos ama que nos tornamos sujeitos protagonistas dessa busca imprescindível da felicidade. Cabe-nos trocar a inveja pela admiração em relação ao que o outro possui, para que consigamos avançar em nossas próprias conquistas.
É preciso, pois, relacionar-se, expondo-se e doando-se, à revelia das rasteiras que a vida nos dá, apesar da maldade humana, ainda que nosso coração seja destratado sem dó nem piedade. Ninguém, a não ser nós mesmos, consegue nos derrubar a ponto de enterrar nossos sonhos para sempre. Felizmente, temos uma natureza guerreira aqui dentro, que sempre nos motivará a encontrar a força necessária para continuarmos firmes em nosso propósito último de sermos felizes, amando e amados.
E, quanto à inveja, ela vai e volta, assim como as demais dores de nossos sentidos. É o preço que pagamos por nunca desistirmos de continuar nadando, qualquer que seja a direção da correnteza. É o preço que pagamos por teimarmos em acreditar na verdade de sermos quem e como somos – imperfeitos, únicos e especiais.
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