Era uma vez uma menina que, aos 7 anos de idade, precisou usar óculos. Esse acontecimento foi um grande sofrimento para ela, que sentiu-se estranha, diferente, feia. Essa menina odiou ter que usar óculos com todas as suas forças. Escondia-se das pessoas quando estava de óculos. Chorou por isso, achou-se a pior das criaturas. Com o avanço da idade, ela passou a usar lentes de contato, mas seu sonho mesmo era fazer cirurgia para correção e livrar-se de uma vez por todas desse tormento. Finalmente, esse dia chegou! Ela operou os olhos e pronto. Livrou-se para sempre dos óculos e das lentes.
Até que, um tempo após a cirurgia, ela notou que a vista não estava muito boa e veio a notícia: teria que voltar a usar óculos! E é aqui que vem o grande desfecho da história que é o gancho para esse texto: dessa vez, a menina – agora, mulher – não mais esbravejou, não mais chorou escondida, não mais escondeu-se. Comprou óculos modernos e bonitos e passou a usá-los como acessório. Preferia não precisar usá-los – quem não prefere ter a vista perfeita? -, mas, já que tem que usar, o melhor a fazer é aceitar e lidar da melhor forma possível.
Essa história foi narrada por uma de minhas irmãs. E, pela foto acima – sim, essa moça da foto é minha irmã – percebe-se que ela obteve sucesso na escolha dos novos óculos.
Ela me contou isso, justamente refletindo sobre como uma coisa que foi tão problemática para ela na infância, adolescência e juventude agora perdeu peso, tem outro valor.
Contou sobre como encarou de uma maneira tão diferente essa frustração – e foi, mesmo uma frustração, pois ninguém opera os olhos achando que vai precisar de óculos de novo – e sobre como o que antes a deixava tão desconfortável, hoje já incomoda pouco, quase nada.
Isso me levou a refletir sobre essa questão tão importante e difícil: a maturidade emocional.
O psiquiatra Flávio Gikovate tem uma definição muito interessante para essa questão. Para ele, a maturidade refere-se basicamente a uma boa tolerância à frustração. Ele deixa claro que maturidade, apesar de a palavra nos levar a crer que se trata de “idade madura”, não tem a ver com o avanço da idade. Há pessoas mais velhas imaturas, bem como há jovens muito maduros.
Então, tornamo-nos pessoas cada vez mais maduras quando passamos a ter maior tolerância às frustrações. Isso diz respeito a fatos imutáveis e sobre os quais não temos controle algum, como é o caso da necessidade de usar óculos da minha irmã, bem como a frustrações relacionadas a erros e falhas que cometemos. Isso também diz respeito à tolerância ligada às incertezas da vida.
“Tolerar bem frustrações não significa não sofrer com elas e muito menos não tratar de evitá-las. A boa tolerância às dores da vida implica certa docilidade, capacidade de absorver os golpes e mais ou menos rapidamente se livrar da tristeza ou ressentimento que possa ter sido causado por aquilo que nos contrariou”. (F. Gikovate)
Assim, uma pessoa emocionalmente madura, embora também se frustre, consegue lidar melhor com os sofrimentos derivados dessas frustrações, consegue não descontar nos outros seus descontentamentos, bem como consegue aceitar com mais serenidade os fatos que não há como mudar. Por exemplo, minha irmã precisa usar óculos para enxergar.
Diante disso, ela tem duas opções: xingar, sofrer, chorar, se revoltar, achar que é o fim do mundo – mas usar mesmo assim, porque não há alternativa -, ou entender que é chato, mas é o que é, então, o negócio é tornar a questão a melhor possível, que, nesse caso, significa investir em uma armação bonita, por exemplo.
O exemplo dos óculos pode ser extrapolado para tudo. Sempre que passamos por situações frustrantes, mas sobre as quais não temos controle, a escolha mais madura é controlar as emoções e lidar com o máximo de docilidade possível. Em situações como filas intermináveis, erros em sistemas, perda de oportunidades, decepção com os outros, etc., a maturidade leva a um enfrentamento cada vez mais tranquilo dessas situações.
Além disso, a maturidade emocional leva a uma tolerância maior a erros e falhas e essa é uma grande conquista, pois isso leva a uma redução do medo. Uma pessoa que aguenta melhor o sofrimento e a frustração vai arriscar mais, pois sabe que pode errar, passar vergonha, perder dinheiro, sofrer de alguma maneira, mas já aprendeu a lidar com o sofrimento. A pessoa que aguenta melhor o sofrimento arrisca mais e, consequentemente, cresce e se desenvolve mais também. Assim, a maturidade emocional é condição para o desenvolvimento e o crescimento pessoal.
“Os mais evoluídos emocionalmente tendem a ser mais ousados e a buscar com determinação a realização de seus projetos. Têm menos medo dos eventuais – e inevitáveis – fracassos, pois se consideram suficientemente fortes para superar a dor derivada dos revezes. Ao contrário, aprendem com seus tombos, reconhecem onde erraram e seguem em frente com otimismo e coragem ainda maior. Costumam ter melhores resultados do que aqueles mais ponderados e comedidos, condição que não raramente esconde o medo do sofrimento próprio dos que enfrentam os riscos”. (F. Gikovate)
O próprio autoconhecimento depende dessa capacidade de aguentar as dores e sofrimentos, porque não é nada fácil olhar para dentro de si mesmo e enxergar falhas, erros, problemas. Esse ato de cutucar feridas e abrir armários é extremamente difícil. Se não formos capazes de tolerar essas dores e frustrações, não teremos coragem de olhar para dentro e essa é, com certeza, condição essencial para o crescimento e o desenvolvimento pessoal.
Gikovate também explica que uma pessoa madura emocionalmente tem maior empatia, ou seja, capacidade de se colocar no lugar do outro, porque, muitas vezes, ao nos colocarmos no lugar do outro sentimos o sofrimento dele. A pessoa imatura se fecha para esse tipo de exercício, porque não aguenta o sofrimento. Quando conseguimos nos colocar no lugar dos outros certamente lidamos melhor com as diferenças, pensamos mais antes de falar, conseguimos ser mais gentis, conseguimos não levar tudo para o lado pessoal.
A maturidade emocional também é essencial para nos ajudar a lidar com as incertezas da vida. E quantas são as incertezas da vida! Tornamo-nos maduros quando abrimos mão daquele desejo infantil de querer garantias de que algo vai dar certo, de querer ter certeza de que não vamos falhar, de querer controlar tudo. É angustiante lidar com as incertezas, mas o fato é que vivemos em um mar de incertezas. Quanto maior nossa maturidade, mais tranquila e alegre é nossa trajetória.
A maturidade emocional é conquistada com esforço, com coragem, com um grande componente racional, está sempre em desenvolvimento e é o ingrediente principal de uma vida mais tranquila e leve – cheia de frustrações, erros, dores e sofrimentos, como é mesmo a vida, afinal, mas sem que isso seja determinante.
Isso, por fim, lembrou-me a oração da serenidade, que aprendi ainda criança quando frequentava reuniões públicas dos Alcoólicos Anônimos, a convite de meu avô, ex-alcóolatra que precisou de muita coragem e força para obter essa conquista, que pede coragem para mudar as coisas que se pode mudar, serenidade para aceitar as que não podem ser mudadas e sabedoria para distinguir umas das outras.
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