As metades que somos, não mais se completam. O nosso tempo, já passou. Nos velhos planos que tínhamos, não cabe mais quem me tornei. E acredito, que a você também.
Hoje acordei disposta a escrever sobre nós. Não sei se foi por causa do frio que finalmente deu suas caras, depois de tantos dias de calor. Quem sabe seja apenas necessário que eu pare alguns instantes para pensar e verbalizar aquilo que tentei varrer para debaixo do tapete por muito tempo. Sinceramente, não sei.
Afastei sua imagem da lembrança. Por horas, enquanto trabalhava, até conseguir. Mas o dia passou, a noite chegou. Recusei o convite dos amigos para sair para beber. Hoje, não. Já me sentia acompanhada o suficiente. A casa estava cheia. Tinha partes e lembranças suas por todos os lados, por todos os cantos. Lá fora e aqui dentro, a temperatura caiu.
As previsões se confirmaram: tão certo quanto a chegada do inverno é esse tormento constante que me invade quando penso na gente.
E eu estava lá, com a cabeça no mundo da lua, empurrando aquele carrinho quase tão desorientado quanto eu, entre os corredores do supermercado. Foi quando vi aquele casal exalando cumplicidade, escolhendo um vinho qualquer, como se comprassem uma garrafa e de brinde viesse um futuro repleto de certezas, amor e alegria. Para eles, até pode ser. Para nós, a garrafa quebrou antes mesmo que nos embriagássemos, sobrando só cacos, espalhados numa poça gigante de vinho limpada com o pano manchado para sempre, com aquela cor vermelho-sangue.
Senti vontade suas, logo quando cheguei em casa. Tirei meus sapatos, os brincos, joguei minha bolsa no sofá. No cabide, pendurei aquele velho cachecol colorido, que minha avó tricotou há séculos e que sempre você elogiava quando eu usava.
Lembrei com carinho dos nossos beijos e loucuras. Lembrei do nosso encaixe perfeito, do meu cabelo revirado no seu rosto, naquela cama bagunçada com cheiro de perfume e suor.
Senti falta das nossas risadas desencontradas. Lembrei das brigas bestas, que sempre terminavam em carícias. Do carinho despretensioso, que sempre acabava em mais uma rodada de nós, servida pra gente.
Enquanto pensava em tudo que vivemos, até cheguei a cogitar que talvez tivéssemos dado certo. Que poderíamos ter insistido um pouco mais. Mas não foi assim que aconteceu. Acabamos nos abandonando ao longo do caminho. Nossos tempos estavam fora de sincronia. Deixamos que a razão falasse mais alto. O mundo não se resume a uma paixão, meia dúzia de dias de paz e projetos inconsequentes.
Puxei pra mais perto a coberta. Antes, servi-me de uma dose generosa. Hipnotizada, assim eu me senti enquanto fazia círculos com meu dedo, movendo as pedras de gelo no copo de uísque. Pra lá e pra cá. No cinzeiro, o cigarro pela metade apenas queimava, esquecido. A luz do abajur, bem fraca, quase nada iluminava. Só o bastante para destacar o brilho do incenso, que me remetia à cheiros do passado.
Não sei por quanto tempo fiquei assim, praticamente um reflexo da catarse. A música ambiente contribuía bastante para isso. Mas não estava sozinha. Sua saudade me acompanhava.
Na mesma velocidade que uma lágrima caiu, respirei fundo e a espantei, junto com os últimos resquícios seus que estavam hoje vivos em mim. Amanhã, já não sei, talvez eu os reviva. Talvez os procure, lá no fundo da gaveta, onde estão as fotos amareladas pelo tempo, os bilhetes amassados e meia dúzia de lembranças dos momentos que vivemos. Pra hoje, depois de um dia inteiro contigo e muitas dúvidas, tenho só uma certeza: não é que deixei de lhe amar, apenas não o quero mais para mim.
As metades que somos, não mais se completam. O nosso tempo, já passou. Nos velhos planos que tínhamos, não cabia mais quem me tornei. E acredito, que a você também.
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