O telefone esgoela. Um inconfundível apito agudo de notificação. Agoniado, tiro-o do bolso e tento entender a emergência. A tela mostra uma prévia incompleta de uma nova mensagem recebida. Era uma amiga — Daquelas que não vejo há tempos — me escrevendo. O visor antecipava algumas palavras da indignação. Por um momento, tive medo de ler o restante. Às pressas, enfiei aquele objeto novamente no bolso e voltei a caminhar pela Avenida Paulista no mais absoluto cinismo. Cem metros a frente, a curiosidade me angustiava. Tentei distrair-me com o alto tom de voz estridente de um vendedor de rua, mas quem gritava mais alto era a inconveniência da minha dúvida. Saquei o aparelho novamente e descobri o inevitável: Sou um péssimo amigo.

As palavras que ela escolhera para me dar flagrante eram diretamente duras: “Qual é o seu problema? — escrevia ela — Se eu não te procuro para saber como está, você simplesmente não se importa, não é? Você é um amigo realmente relapso e ingrato.”

Tentei puxar na memória a última vez que conversamos e não havia registros recentes. O flagrante era inquestionável. Ela não era a primeira a reclamar dessa falta. Tive que admitir: Interesso-me pouco pela vida das pessoas. Inclusive das que amo.

Aquela mensagem deflagrou-me em uma investigação necessária: Será que sempre fui um péssimo amigo e só agora me dei conta?

A coisa só piorou depois de uma apuração sincera. Abri o Whatsapp — que é a mais moderna praça da tagarelice contumaz — e notei que todas as últimas conversas haviam sido iniciadas por outras pessoas. Senti-me realmente mal com minha falta de dedicação.

Eu sei o que está pensando: Se essas pessoas fossem realmente seus amigos de verdade, esse abismo profundo não existiria entre vocês, afinal, uma das coisas mais belas da amizade é a reciprocidade. Vamos ter que discordar.

Sinceramente, não sei bem se amizades realmente duradouras precisam ser bilaterais o tempo todo. Há amizades que simplesmente resistem a toda impessoalidade.

Lembro-me agora do Luciano. É, sem dúvida, o meu amigo mais antigo. Ano que vem completamos catorze anos (dos vinte e oito que tenho) da mais fraternal amizade. Não conversamos muito sobre coisas cotidianas, falamos mais de banalidades. Orgulho-me em dizer que é a amizade mais leve e consistente que tenho.

Mesmo sem ficar perguntando muito sobre a vida dele, somos bons amigos. Estive lá enquanto ele formava-se na graduação, acompanhei o seu casamento com uma felicidade ímpar, vi sua alegria incontrolável quando teve o primeiro filho, e agora, assisto empolgado a sua expectativa com a chegada do segundo bebê. Ele, por sua vez, esteve nas melhores e piores ocasiões da minha vida.

Fico longos períodos sem ouvir sequer a sua voz ao vivo. Meses a fio sem o ver pessoalmente. No entanto, quando temos a chance de nos encontrar é como se realmente não houvesse nenhuma distância existente.

Este rodeio inteiro é para explicar que talvez o segredo da amizade duradoura seja o implacável barranco entre a convivência invasiva e o recolhimento respeitoso.

A amizade genuína não vive apenas de telefonemas frequentes, de cerimônias protocolares, de obrigações solenes. Ela está justamente nos churrascos de datas improvisadas e nos acasos mais providenciais. Há uma certa beleza na amizade ausente. É bonito quando ninguém sente-se menos amigo por desleixo.

Algumas amizades apenas são. Faço sim questão de entender que amizade de verdade não dá em árvore, e por isso, preciso alimentá-las com eventuais farturas, mas não estar sempre presente não deveria colocar ninguém diante de um pecado irreversível.

Marquei um café com a amiga da mensagem. Fiz questão que fosse na cafeteria gringa preferida dela. Ela riu quando expliquei que amizade não é estar sempre presente, é odiar o péssimo café torrado daquele lugar, mas aceitar tomá-lo mesmo assim por puro amor à sua companhia.

Acho que ela entendeu. Ela é uma boa amiga. Eu é que preciso muito melhorar.

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