Com mais de 60 anos de duração, estudo ainda ajuda a entender como seres humanos se adaptam a situações adversas.
Praticamente toda a criança que nasceu na ilha de Kauai, no Havaí, no ano de 1955, já ouviu falar nas psicólogas Emmy Werner e Ruth Smith. As duas acompanharam quase 700 bebês para entender como a infância molda a vida adulta das pessoas.
Mais de 60 anos depois, o estudo continua – e ainda dá pistas de como as crianças com infâncias de “alto risco” são capazes de se tornar adultos emocionalmente equilibrados e realizados.
Os bebês havaianos dos anos 50 foram divididos em dois grupos. Aqueles que estavam no primeiro tinham condições favoráveis de desenvolvimento, como uma família estruturada e amorosa e estabilidade financeira. No outro grupo, estavam as crianças de famílias muito pobres, cujas mães passaram por estresses perto da data do parto. Doenças na família, pais alcoólatras e violência doméstica também eram fatores de risco no segundo grupo.
As crianças foram avaliadas em diferentes idades: com 1, 2, 10, 18, 32 e 40 anos. Naturalmente, os pesquisadores esperavam que o segundo grupo tivesse mais problemas emocionais e de comportamento ao longo da vida. E isso era verdade para duas em cada três crianças do grupo de risco… Mas aquele um terço surpreendeu os cientistas.
Eles ficaram conhecidos como “vulneráveis, mas invencíveis” e passaram a vida adulta sem problemas significativos. Mais que isso, eram competentes, confiantes e carinhosos – e os pesquisadores deram a essa capacidade de se adaptar e superar os fatores de risco o nome de “resiliência”.
Em cada idade, “se dar bem” na vida tinha um significado diferente e era explicado por fatores diferentes. Aos dez anos, as crianças que se desenvolveram melhor não tinham tido complicações no parto e seus pais tinham melhores condições financeiras e de saúde. Já na adolescência, as relações com os pais passavam a importar menos, e os jovens com bom desenvolvimento tinham bons relacionamentos fora da família. Na vida adulta, depois dos 30 anos, a estabilidade era um fator que acompanhava o sucesso: seja dentro de um casamento ou em uma comunidade estruturada, como o exército.
No geral, os cientistas identificaram três fatores que impulsionaram a resiliência nas crianças de Kauai: a sua própria personalidade, um cuidador de confiança e a sensação de pertencimento a uma comunidade.
Os “invencíveis” eram, desde pequenos, reconhecidos como ágeis, ativos e carinhosos. Eles encontraram pelo menos uma pessoa para ser sua “âncora” no caos familiar: seja um dos pais, um avó ou um professor, por exemplo. Com essa pessoa, puderam estabelecer um laço de carinho e confiança.
Os números também mostravam que os resilientes vinham de famílias menores, com uma diferença maior de idade entre os irmãos – o que provavelmente indica que receber mais atenção individual ajudou no seu desenvolvimento.
Pesquisas recentes associam a resiliência com a plasticidade cerebral, a capacidade do nosso cérebro de se adaptar a condições adversas. Por isso, a líder atual do projeto, Lali McCubbin, defende que a resiliência seja vista mais como um processo do que algo que uma criança tem e a outra não, como contou ao site Quartz.
As evidências da pesquisa apoiam a visão de McCubbin: mesmo algumas das crianças que confirmaram o estereótipo dos cientistas na adolescência passaram para a fase adulta sem problemas emocionais ou de comportamento. Por isso, os cientistas acreditam que a resiliência pode ser treinada e adquirida ao longo da vida para melhorar a forma como lidamos tanto com os maiores desastres quanto com os estresses do dia a dia.