Gula, luxúria, ira, inveja, avareza, orgulho, preguiça. Os sete pecados capitais, uma invenção da igreja católica na Idade Média, foram criados no século 6. Ou seja, há 1.500 anos. Será que ainda dá para alimentar culpas modernas com base numa listinha tão antiga? Ansiedade, pânico, TOC, entre outras compulsões contemporâneas, me parecem mais atuais…
A escritora Adriana Falcão, autora de textos bem-humorados sobre angústias modernas, concorda comigo (à meia-noite, por e-mail) que os sete pecados capitais andam desatualizados.
“As obsessões contemporâneas estão ligadas a essa loucura de internet, redes sociais e comunicação rapidíssima. Está todo mundo ou viciado nessas paradas ou contra elas, e isso gera um monte de sentimentos, inclusive ansiedade”, diz ela. A psicanalista Anna Verônica Mautner, estudiosa dos males atuais, assinala a “crueldade” como o pecado mais em voga. “Há uma falta de empatia pela dor alheia”, diz Anna, lembrando pequenas maldades do cotidiano e crimes hediondos. Seu maior pecado, confessa, é das antigas: a ira. “Sou indignada!”, diz.
Sabe Deus por que, logo eu, me pus a pensar sobre o tema. Publiquei esse texto originalmente na seção “Filosofias” da ótima (pena que extinta) revista “Lola”. Depois de assuntar e filosofar com gregos, ateus, troianos e cristãos, arrisco aqui uma listinha, novamente revisada, do que seriam os 7 pecados do momento:
1 Hiperconectividade
A vida é offline. Mas há quem passe 24 horas conectado, sem ver a superlua lá fora. Sou quarentinha. Do tempo em que a pergunta “No que você está pensando?” era apenas uma frase para quebrar o silêncio entre namorados. Hoje, ao abrir o Facebook, que angústia! Quando não há nada a declarar, melhor “curtir” a vida real. Em relação ao celular, tentação sempre à mão, confesso que eu mesma procuro me policiar, principalmente quando estou acompanhada, em restaurantes ou lugares públicos. Até porque olhar mais para o celular do que para as pessoas é falta de educação no último. Outro dia, em um almoço de trabalho, havia uma mesa redonda com 10 mulheres. Seius delas cutucavam o celular, checando compulsivamente o WhatsApp. Quase ninguém se apresentou. Duas saíram mais cedo. Eu e a última, a única conectada com a realidade -conversamos, rimos, comentamos sobre a comida que estava ótima e, no final, claro, trocamos telefones e nos adicionaram nas redes sociais para manter contato.
2 Gula gourmand
Não se trata mais de comer além da conta, e sim da obsessão em torno da gastronomia, que faz com que muita gente se torne incapaz de apreciar um camarãozinho ao leite de coco. Para ser bom, o prato tem de se chamar “Carro alegórico dos deuses do mar” ou ser preparado por aquele chef que estudou redução de vinho tannat com o catalão Ferran Adriá. Quando receita e sabor fazem jus ao nome e à fama, vá lá. Mas nada mais irritante do que um menu escalafobético quando resulta em um prato-conceito-sem-gosto, finalizando com uma conta salgadíssima -sem razão de ser (pecado de muitos restaurantes). Paladares indiferentes a uma receita simples, feita com gosto, merecem penitência.
3 Exibicionismo
É a vaidade potencializada pela compulsão online. Não basta ser visto e admirado. O mundo inteiro precisa saber que você tomou suco de pitanga no café da manhã. A exposição da vida íntima em redes sociais, as revistas de fofocas, a era BBB (bobagem ao cubo), tudo entra nesse pacote. A compulsão atinge até mesmo celebridades consagradas. Um assessor de imprensa me conta que uma atriz, já famosa o suficiente e tida como cool, teria inventado gravidez e perda do bebê porque andava sumida das capas revistas. Lama! Contra o excesso de “Olha eu aqui!”, recomenda-se a virtude da discrição, atualmente escassa.
4 Pressa
– O que você está fazendo?
– Nada.
Faz tempo que não dou nem recebo essa resposta. Na velocidade dos dias, precisamos estar (ou parecer) sempre ocupados. Alguém tem tempo, hoje, para ter preguiça? Quem pode se entregar ao ócio é rei. O problema é que a falta de tempo está ligada também a excesso de informação, falta de organização, falta de foco. Se a pressa é inimiga da perfeição, o resultado é incompetência, outro deslize em alta. Uma dica é reservar uma hora do dia para “não fazer”. Ou rezar cem ave-marias, contando as bolinhas do terço, até retomar o foco.
5 Ganância
Não contente em ser um só, esse pecado reúne vários outros no mesmo balaio: inveja (querer o que o outro tem), consumismo, orgulho. O ganancioso em geral é prepotente. Acha que ter é saber. E não sabe ouvir. Cai, então, na tentação da arrogância -a coroa sem o reino. Avarento, acumula e não distribui. Mas, quem guarda, tem? Um trecho do poema “Guardar”, de Antonio Cícero, ajuda a refletir: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la/ Em cofre não se guarda coisa alguma/Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la/ isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado (…)”.
6 Luxúria obrigatória
Ah, a luxúria. Que delícia fazer amor bem e bastante. Isso nunca foi pecado, a não ser para quem não gosta da coisa. Mas não pode ser só papai-e-mamãe nem menos do que sete vezes por semana. É preciso transar com parceiros diferentes, em todas as posições do Kama Sutra, em lugares longínquos ou perigosos e ter orgasmos múltiplos. Inclusive quem não tem orgasmo vai para o inferno.
7 Ansiedade
Inquietação, angústia, pânico. A ansiedade é a mãe de várias compulsões incontroláveis. “Ansiosíssima”, a escritora Adriana Falcão conta como se vira nesse purgatório: “Lido com isso de todas as maneiras: ioga, malhação, remédio tarja preta, incenso, mantra, vontade de morrer, vontade de correr, florais de Bach, massagem oriental, caipivodka, oração, música, ou brincando com minha neta, coisa que me dá paz. Acho que não há muita saída não. A vida é isso aí, vou levando”, diz Adriana.