“Basta um livro que eu leio hoje
E que você um dia também leu
Um sapato antigo que eu tinha
E que combina tanto com o seu
Coisas que a gente nem pensa
Que são tão imensas, são parte de nós
Fotos e bilhetes, quando estamos sós
Juntos numa mesma voz…”
“Coisas” – Ana Carolina|Sal Da Vinci
Alguns casais já foram amigos um dia, mas perderam a sobriedade da união quando separaram os sentimentos. Quiseram amar somente com o exagero do amor e acabaram esquecendo que a amizade era o que sustentava todo o relacionamento. Esgarçaram o que tinham de mais sagrado. Destruíram o pacto entre as almas e fundaram um abismo.
Não souberam ampliar o campo de atuação da amizade. Esqueceram que ela funciona como cláusula primeira de qualquer relação. É o termômetro. A bússola. Sem esse recurso, o amor não respira. Mesmo sendo um sentimento vigoroso e múltiplo, o amor só pode demonstrar a sua potência quando aliado à serenidade da amizade.
Porque a amizade é o amor à paisana. O reconhecimento do outro sem menosprezar os detalhes mais simples. Na amizade até a implicância tem valor. Tem charme.
A amizade é o amor legítimo. Amizade no relacionamento amoroso é a coroação sublime de uma incessante busca. Onde é possível compartilhar a calmaria de um domingo no parque e experimentar o vendaval nos lençóis. Harmonia que nasce da compreensão das diferenças. Solidez que não se estilhaça com qualquer ameaça de vento.
O amigo reconhece o outro pelo olhar. Detecta de longe quando tenta disfarçar uma dor contando uma piada. Sabe que o olhar absorto no tempo esconde alguma angústia. Compreende que a falta de palavra não é descaso nem apatia. Às vezes, é apenas cansaço.
Amigo é uma espécie de mãe de aluguel quando a gente se perde na vida. Toda amizade sincera nos ensina sobre as tonalidades do amor. A principal, é a tolerância nos dias difíceis, quando o outro se isola para resolver sozinho as pendências que a vida impõe.
Quando silencia. Quando não quer desabafar porque ainda não sabe nomear o que está sentindo e precisa de um tempo para realinhar as órbitas dos pensamentos. Porque não quer que o outro sofra nem se preocupe à toa. Porque não quer fazer alarde com assuntos passageiros.
Amizade é o amor mais delicado que existe, porque a tolerância está sempre se revezando com o perdão para que não fique nenhuma ponta solta, nenhum mal-entendido. Para que não haja desconfiança.
Amizade é o amor puro, que reconhece na própria pele as cicatrizes do outro. A amizade no relacionamento é um fundamento que deve ser aprimorado no calor das declarações e reforçada num gesto de cuidado, quando o outro está distraído.
Para ser o amor do seu amor, primeiro seja amigo.