Durante muito tempo fui uma dessas pessoas que tinha vergonha de exibir os sentimentos. E não só de demonstrá-los, mas de tê-los, mesmo. Ainda que fosse capaz de escondê-los, nunca fui eficiente em não senti-los. Dentro de mim, os sentimentos esperneavam, gritavam, clamavam para sair, em vão. Era praticamente um parto, só que o bebê, apesar de lutar para abandonar o útero da mãe e desbravar o mundo, jamais alcançava seu objetivo de liberdade.
Hoje ainda há resquícios desse tipo de acanhamento. Ainda travo uma batalha com ele quase todos os dias. Mas a diferença é essa: agora eu luto. E luto contra a vergonha, em vez de lutar contra minha própria natureza sentimental. Tem sido bastante eficaz, e é realmente libertador. Antes encapsulados, trancados nesse invólucro chamado “eu”, meus sentimentos, hoje, têm permissão para sair. Aliás, permissão, não, afinal sua saída é o caminho natural das coisas, sendo o seu aprisionamento o elemento antinatureza –: eles simplesmente seguem o fluxo.
Com isso, surgiu outro problema: sinto-me démodé, deslocada, inadequada. Olho para todos os lados e vejo indivíduos racionais, limpos de seus instintos e recobertos por sua humanidade – humanidade, aqui, equivalendo a um sentido nietzschiano de moralidade e adestramento. Diante deste cenário, acabo acreditando que estou errada. É errado sentir tanto, ou simplesmente sentir. É errado revelar os sentimentos ao outro. Tem que esconder a emoção, tem que ser blasé.
O ápice da ideologia da indiferença é revelado sobretudo nas questões afetivas. Se demonstramos que gostamos demais de alguém, somos bobos, caretas, bregas, kitsch. Se nos declaramos, somos antiquados. Se revelamos nossa paixão, o outro foge com medo, e aí, então, somos trouxas. Trouxa é a palavra do momento, é o substantivo capaz de designar qualquer pessoa que passa por um amor não correspondido, ou não correspondido à altura. E nem precisa ser nada trágico: trouxa é banal, ordinário, corriqueiro. Antes de classificar aqueles que são respondidos por um “também gosto muito de você” a um “eu te amo”, trouxa é uma mensagem que demora para ser respondida, uma ligação não atendida, um encontro desmarcado.
Pergunto-me se quem não é trouxa tem sentimentos. Pergunto-me se por trás dessa máscara de cera existe profundidade emotiva. Às vezes, parece que não, mas quem sabe esses que parecem nada sentir são aqueles que sentem em demasia, são aqueles que temem a própria emoção? Afinal de contas, encarar suas paixões é um mergulho em um fosso sem fim: você pode nunca mais de lá voltar. Pela minha própria história, arrisco dizer que os não-trouxas são, na verdade, os verdadeiros trouxas, por não se permitirem sentir, perdendo oportunidades, experiências e relações.
Vamos ser trouxas se ser trouxa significa fazer uma declaração ou um agrado out of the blue. Vamos ser sentimentais. Vamos aguçar nossa sensibilidade não só em relação ao outro, mas ao mundo, e declará-la abertamente. Que fique claro que isso não tem nada a ver com o exagero, com o chororô desenfreado, com o pieguismo, mas sim com o respeito a si próprio e com a liberdade de extravasar.
É preciso muita coragem para sentir.
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