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Pesquisa explica sentimento de prazer diante do sofrimento alheio

Ter satisfação com a má sorte dos outros é um fenômeno muito comum, conhecido pela expressão alemã schadenfreude. Segundo pesquisa norte-americana, imagens estereotipadas que geram inveja e rivalidade têm um forte poder de provocar esse sentimento nas pessoas.

Se você já sentiu um prazer secreto ao ver alguém levando a pior, saiba que não está sozinho. Essa sensação é tão comum que cientistas têm um nome para ela: schadenfreude. A palavra complicada tem origem alemã. Schaden significa dano, e freude, alegria. Juntas, passam uma ideia semelhante a um ditado popular muito usado pelos brasileiros: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Segundo especialistas que estudam o tema, esse sentimento costuma surgir por diferentes motivos, como o fato de o infortúnio alheio parecer merecido (alguém que agiu mal acaba sendo prejudicado adiante, por exemplo) ou quando aquele que experimenta a sensação é beneficiado pela má sorte do outro.

Dois outros motivos, porém, parecem ser um forte motivador do schadenfreude: a inveja e a rivalidade. É essa a conclusão de uma pesquisa realizada na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, que revelou ainda que estereótipos são capazes de provocar nas pessoas esse gosto pelo sofrimento do outro e motivar, inclusive, atos de violência. “Nesse caso, o observador não tem nenhum benefício tangível, e a desgraça não representa uma justiça social. Em vez disso, infortúnios de alvos rivais ou invejáveis agradam porque fazem as pessoas se sentirem melhores com elas mesmas”, explica Susan Fiske, uma das autoras do estudo.

No trabalho, publicado no periódico Annals of the New York Academy of Sciences, Fiske e sua aluna de doutorado Mina Cikara partiram de algumas questões. O mero estereótipo é suficiente para provocar esse sentimento? Há grupos mais suscetíveis a serem alvo? Elas concluíram que sim. O schadenfreude parece ser mais facilmente direcionado a alguns grupos de maior status social que transmitem uma ideia de frieza, como famílias ricas e mulheres de negócios. “Isso porque despertam inveja, não admiração”, aponta Fiske.

Para chegar a essa conclusão, elas realizaram diferentes experimentos (veja infografia abaixo). Em um deles, o mais emblemático, foram mostradas a voluntários imagens de idosos, estudantes, usuários de drogas e profissionais bem-sucedidos associadas a eventos positivos ou negativos, como ganhar dinheiro ou ser molhado depois de um táxi passar sobre uma poça d’água perto da calçada. Um aparelho capaz de medir contrações dos músculos da face flagrou leves sorrisos maliciosos nos participantes durante situações de infortúnio. E eles foram muito mais frequentes quando as vítimas eram os profissionais ricos.

Já para verificar o poder da rivalidade na geração do fenômeno, elas recrutaram torcedores do Boston Red Sox e dos New York Yankees, dois times de beisebol com uma forte rivalidade. Tendo seus cérebros monitorados, os participantes assistiram a jogos entre as duas equipes e também entre elas e um time pouco relevante. Os resultados não devem causar nenhuma estranheza aos brasileiros acostumados com a paixão nacional pelo futebol. Ver o time ganhar do maior rival causava um prazer muito maior do que observá-lo vencer um time menos importante. Porém, se o time adversário perdia para a equipe menor, a satisfação também era grande, como mostrou a ativação de áreas cerebrais ligadas à recompensa. Outro dado relevante foi colhido por meio de questionários. A vontade de ofender ou mesmo ferir torcedores do time rival era bem maior durante os jogos do que depois.

Fiske acredita que as conclusões do estudo podem levar a reflexões de vários tipos, incluindo a forma de organização nos ambientes de trabalho. “Se você pensar sobre a forma como esses locais são criados, por exemplo, encontramos uma questão interessante: a competição é a melhor maneira de obter o melhor dos funcionários? A competição pode ser boa, mas também pode deixar algumas pessoas deprimidas, e isso não é algo que as empresas querem”, diz a autora.

Discriminação
Segundo especialistas, duas dimensões ajudam a boa imagem de grupos sociais: o acolhimento e a competência. Alguns tipos de pessoas, como estudantes, tendem a ser vistos tanto como acolhedores como competentes. Outros, porém, não transmitem nenhuma dessas qualidades — viciados em droga, por exemplo, que despertam nojo. Há ainda aqueles que transmitem sensações ambivalentes. Seria o caso de idosos, de quem é possível sentir pena por parecerem acolhedores e incompetentes. Tudo isso, porém, são estereótipos. No mundo real, certamente há estudantes incompetentes e idosos pouco acolhedores. O que o estudo de Fiske e Cikara mostra é que essas percepções já são capazes de provocar uma série de sensações e levar ao prazer pelo sofrimento de alguém só por ela pertencer a um determinado grupo.

Para Rosana Schwartz, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, o schadenfreude surge quando indivíduos com hábito e caráter social parecidos discriminam outras por julgarem-se melhores ou piores. “Quando a pessoa se comporta de forma que o grupo não aprova e comete um erro ou passa por uma desventura, há uma satisfação, porque o outro grupo entende que existiu uma vitória da sua cultura”, analisa a especialista.

A falta de empatia pelo que acontece de ruim aos outros é comum e não deve ser vista, a princípio, como sinal de problema. No entanto, essa resposta pode se tornar perigosa à medida que passa a representar uma ameaça real, alerta Ricardo Monezi, pesquisador de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Quando se busca, de maneira consciente e voluntária, provocar o mal a outra pessoa, sem sentir culpa, há um comportamento patológico. Uma pessoa pode se divertir ao ver o time adversário ser rebaixado, e isso não é considerado doença. Mas alguém que tenta ferir outra pode estar doente”, esclarece.

Esse sentimento, no entanto, é cultural ou tem raízes biológicas? Os especialistas divergem na resposta. “Não há nada que comprove uma relação biológica. Quando as coisas são classificadas assim, podemos cair em teorias racistas e segregatórias”, avalia Schwartz, que é doutora em história. Monezi, por outro lado, acredita que a associação do schadenfreude com a biologia pode ser vista a partir dos exames de ressonância magnética e eletromiografia usados na pesquisa. “O estudo destaca que áreas específicas do cérebro foram ativadas quando ocorreu o schadenfreude”, aponta. “Mas isso não quer dizer que essa seja a única justificativa. Existe uma fisiologia do comportamento. O humano deve ser observado como um ser multidimensional, constituído pela parte biológica, psicológica e social”, acrescenta.

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