É um clássico. Está na história, vive se repetindo: a maior característica de um patife é conceder a si mesmo o direito de decidir sobre a vida do outro. Ditadores inalcançáveis ou criminosos rasteiros, todo bandido pensa que é Deus. Quem mata, explora, subjuga e pratica qualquer mal acha mesmo que está fazendo “o que é certo”. Não tem o menor pudor de abusar do que julga ser o seu poder para tal.
Pode reparar. De boa intenção o discurso de um canalha está cheio. Covardes, valentões, linchadores, assassinos, exploradores e outros crápulas estão sempre matraqueando por aí o quanto são decentes e lapidares. Ora se gabam de sua honestidade porque declaram o imposto de renda, crentes de que realizam uma proeza e não apenas uma vulgar obrigação, ora esgoelam seu apoio à polícia, abominam a corrupção na política, defendem a moral e os bons costumes. Tudo nos conformes.
Depois, ao se sentirem “provocados”, não têm o menor receio de fazer justiça com as próprias mãos. Como se a sua pré-anunciada “perfeição” lhes desse salvaguarda para fazerem o que bem entenderem, inclusive agredir e até matar a ex-esposa, culpada por não respeitar a obrigação matrimonial de obedecer ao marido. Em pleno século vinte e um, ainda estamos na idade média.
Sim, eu estou fazendo uma generalização. Perdão, universo, mas todo assassino acredita mesmo ser Deus. Quem mata outra pessoa está brincando de senhor da vida e da morte. E quando a vítima é alguém que simplesmente ousou valorizar a própria vontade ao abandonar uma relação que de amor já não tem nada, aí o absurdo é maior ainda.
Em qualquer casamento, quem manifesta o desejo de se separar tem o direito de fazê-lo e o outro tem o dever de aceitar. É assim e pronto. Tentar impedir alguém de seguir em frente é perversão, crime, indecência, prática de cárcere privado. Fosse o mundo um lugar mais razoável, quem não aceita uma separação a ponto de agredir ou matar o outro seria trancafiado como bandido hediondo.
Verdade é que o mundo não aguenta mais tanto idiota metido a senhor de tudo e de todos. Tem muita gente má circulando por aí, esguichando veneno em caminhões-pipa, metralhando bobagens por todo lado como franco atiradores. Quem é mau anda piorando sem culpa e sem vergonha de bancar o mocinho, defensor da moral e dos bons costumes. Para compensar, quem é bom de verdade, quem se importa com o outro tanto quanto consigo mesmo tem obrigação de fazer alguma coisa boa.
A quem ainda resta o mínimo de decência, é urgente tomar partido e bater o pé contra a cultura segundo a qual um ser humano não tem o direito de terminar uma amizade, um namoro ou um casamento quando bem entender. Gente não é objeto da vontade alheia nem propriedade privada de ninguém. Logo, canalhas e assassinos não podem seguir brincando de Deus por aí.